terça-feira, 8 de março de 2011

Entrevista com Chico de Assis (Jornalista e Dramaturgo)

Jeane Vidal – É verdade que quando o Vandré veio pra São Paulo, ele se envolveu em alguns projetos de teatro com você e outras pessoas na época do Arena?


Chico de Assis – Minha historia com o Vandré começa no Rio de Janeiro, quando o teatro de Arena foi pro Rio de Janeiro e lá o Vandré procurou a mim, especificamente. Porque ele queria entrar num grupo que eu estava organizando que se chamava Teatro Jovem. Eu estava organizando um elenco pra montar uma peça do Vianinha (Oduvaldo Vianna) chamada “A mais valia vai acabar”. Ai o Vandré começou a aparecer lá no ensaio. O meu ensaio era aberto então tinha sempre o pessoal da bossa nova, porque o Carlos Lyra fazia musica da peça, então, o Vandré começou a aparecer, depois ele trouxe até a noiva dele pra fazer parte do grupo.


JV - Era a Nilce na época?


CA – Não, chamava-se Zelinda. E o Vandré ele era compositor. Cantava, mas, ele não sabia direito o que ele pretendia da vida. Se ele queria continuar a carreira dele, se ele queria... Ele era advogado.


JV – Isso foi em que ano mais ou menos, 60, 61?


CA - 60, 61. Ele não sabia o rumo que ele deveria tomar. Ai um dia eu falei pra ele : Olha, você tem que decidir, se você acha que realmente o teu destino é ser cantor e ser compositor, você têm pegar isso, não pode ficar... Ai ele veio pra São Paulo e começou a levar a sério esse negócio do compositor e do cantor. Aqui em Sao Paulo, eu acho que ele desenvolveu melhor a carreira dele. Teve um tempo em que eu preparava cantores. Eu preparei a Elis Regina, a Claudia... E o Vandré me chamou pra dar uma mão pra ele, porque ele achava que ele precisava cantar melhor. Eu também achava que ele era muito tenso, essas coisas todas. Daí eu trabalhei com ele nessa parte de expressão como cantor. Eu estive presente naquele festival de “Por que não falei das flores”.


JV – O senhor foi jurado desse festival?


CA – Eu não era jurado desse festival. Eu era jornalista das Folhas. Do Ultima Hora, no caso. E eu estava lá no festival junto com Walter Silva, o Pica-Pau. E quando aconteceu aquele negócio o Walter Silva saiu lá pra brigar, eu também fiquei chateado com aquilo, não porque eu não gostasse da musica do Chico...


JV – Mas, porque exatamente? Por causa da disputa entre as duas musicas?


CA – Por causa da disputa e por causa do comportamento do júri!


JV – Entendi...


CA – “Sábia” era uma musica bonita, uma musica do Tom, letra do Chico Buarque, não é? Então, uma coisa importantíssima. Mas, a música do Vandré era emblemática, tanto é, que ela provou isso, né? Depois ela passou a ser o hino das passeatas e tal. E a gente já tinha percebido isso na música. Mas, o júri, ou por preconceito com o Vandré, - porque o Vandré era tido como um perigoso comunista - nunca foi, e essa coisa toda... Mas, resolveram optar pelo Chico.


JV – Houve pressão dos militares para ela (a música do Vandré) não ganhar, não foi isso?


CA – Olha, quanto a isso, falam muita coisa, mas ninguém prova nada. Então não é bom falar de uma coisa que você não pode provar. Eu acredito que até possa ter havido, porque os militares não gostavam do Vandré. Os militares eles sentiam ali um germe de um comportamento anárquico. De uma coisa que não era bom pro regime militar. Porque todo regime que não tem base ele fica com medo que sopre o primeiro ventinho, daí ele cai, então esse medo que tinha - porque o regime militar ele ficou, desde o dia 1 de abril de 1964 ate 1985, ele ficou sob o impacto dos ventinhos. Porque era uma coisa sem base, em cima do nada, então qualquer coisa que viesse abalava. Festival de Música abalava, um sujeito dava uma opinião abalava, por quê? Porque tudo que e feito em cima de mentira não tem base, não tem estabilidade. E o Vandré falava direto para a crença das pessoas, no que elas acreditavam, e mais do que isso, no que elas queriam.


JV – Ele induzia as pessoas a pensarem, a refletirem?


CA – Acho que não. Ele induzia as pessoas que já pensavam a se unirem, o que é muito mais perigoso. A música, a arte de forma geral, ela não dá palavras de ordem, ela quando tem alguma coisa inclinada, ela ajuda que essa coisa siga o rumo da inclinação. Então era isso que era a musica do Vandré. As pessoas que estavam lá cantando a musica, elas já tinham dentro dela aquilo, ninguém num dia era fascista e no dia seguinte ficou contra o regime militar. Não! As pessoas já eram contra e pegaram aquela música como representando o emblema delas. Então a culpa nunca é do artista. Você veja, por exemplo, a arte do maneirismo, a arte Cristã. Quando a arte Cristã sai da propagando da igreja, os grandes pintores que pintam aquelas obras, aquela coisa toda, não era pra tirar o mulçumano da religião dele e colocar na Cristã. Era para os cristãos terem um emblema. Então da mesma forma a Música Popular Brasileira, não só a do Vandré, mas, de forma geral naquela época, porque a maior parte dos artistas, dos músicos, dos compositores eles eram contra o governo de exceção. Tinham esse sentido de balançar o edifício mal equilibrado daquele golpe. Fale um pouco.


JV – Existia alguma tensão no júri em relação a escolha da musica? O que o senhor sentiu?


CA – Não sei por que eu só estava olhando eles de longe.


JV – Mas o senhor disse que foi lá para brigar por causa do comportamento do júri. O que o senhor percebeu no comportamento deles?


CA – Olha, foi muito estranho, foi a mesma coisa que aconteceu com o Vandré na “Disparada”. Na “Disparada” o oponente dele era o Chico Buarque. Sempre Chico Buarque. Então “A Banda” era uma musica que não tinha esse emblema, não tinha essa coisa toda. E a “Disparada” tinha. “Disparada” tinha algumas palavras, algumas frases “na boiada já fui boi/ boiadeiro já fui rei....”. Então aquela coisa da transformação do homem, esse negócio todo, falava muito perto do ouvido daqueles que já tinham decidido. “Disparada”, inclusive, pelo seu próprio enigma ela não pode alcançar um neófito, um sujeito que está começando a aprender a realidade. No caso de “Sabia” mais ainda, porque o Sabia era uma coisa lírica, sem nenhuma intenção ideológica, a menor, era uma coisa lírica. E do outro lado aquela música contundente. O grande exemplo na história do mundo disso, e da Marselhesa na Franca. A marselhesa não incutiu em ninguém a idéia de Revolução Francesa. A Marselhesa simplesmente uniu e solidificou um movimento como emblema daquilo, e ficou tão forte que transcendeu aquilo e passou a ser um emblema de tudo que acontecia no mundo naquele sentido. Mal comparando com a música do Vandré, que não saiu dos nossos limites, mas, ainda hoje quando tem um movimento qualquer, lá vem a música do Vandré. Os que precisam de um emblema, e todo mundo precisa de um emblema, principalmente o Brasileiro. O Brasileiro se não tiver time de futebol pra ele botar o emblema, ele quer um emblema qualquer de qualquer coisa pra colocar. Porque há uma necessidade na sua posição de desenvolvimento civilizatório, dele se afirmar como cultura incipiente, já que a gente tem muito pouco tempo de cultura. Então precisa disso. Então, se você fizer um hino para o Corinthians, ninguém vai se tornar corintiano por causa do hino, mas, os corintianos vão usar a musica como emblema, então, é mais ou menos por ai.


JV – Aqui em São Paulo o senhor foi um dos fundadores do CPC da UNE, não foi?


CA – Eu fui um dos fundadores do CPC no Rio de Janeiro, o primeiro CPC.


JV – Aqui em São Paulo não?


CA – Aqui em São Paulo também. Rio de Janeiro, São Paulo. E trabalhei no de Santo André e no da Bahia também.


JV – E o Vandré estava envolvido também com o CPC?


CA – No meu tempo não.


JV – Nem aqui em São Paulo?


CA – Não. Pode ser que ele tenha se envolvido depois que eu saí, que fui fazer alguma coisa ele deve ter aparecido, mas não sistematicamente. O Vandré na época ele estava trabalhando a carreira dele, fazendo shows e participando de festivais. Ele teve uma música que não foi muito boa, e que não deu muito retorno que foi a do Caminhoneiro.


JV – “Ventania” no Festival de 66?


CA – “Ventania”. E, ele esperava que fosse repetir alguma coisa e não repetiu, acho que ele ficou meio estranho. O Vandré depois que houve esse episódio... É muito mítico, tem mais mito do que verdade. Por que, verdade, como dizia lá o livro do Jonhson “mito é uma mentira que tem uma verdade dentro”. Agora, pra achar a verdade dentro, nesse caso, é um pouco difícil, porque fica muito sobre o mito, sobre as prisões e torturas, essas coisas e tudo que não sei bem como é que foi isso. Só sei que ele tinha um amigo muito grande que era o Abreu Sodré que o protegia...


JV – Dizem que foi o Abreu Sodré que, na época, o ajudou a sair do País...


CA – O Abreu Sodré era apaixonado por ele. Então, o escondia no Palácio, essas coisas todas. Eu só sei que em um determinado momento, por um motivo ou por outros, ele ficou um pouco atingido no seu discernimento. E passou a ter um comportamento intempestivo que hora era de uma calma, e hora era de uma exaltação de si mesmo, uma coisa terrível. E aí, desde aquele tempo todas as vezes que o encontrei ele sempre, não sei se a minha presença fazia com que ele lembrasse de alguma coisa, esse sempre passava dessa calma pra uma coisa...


JV – Isso antes ou depois do exílio?


CA – Depois. Então ele uma vez me deixou na padaria da Tupi, na Real, conversando comigo saiu gritando na rua contra o governo da época.


JV – Faz tempo isso?


CA – Faz muito tempo. Estava no regime militar ainda. Foi no governo Geisel isso.


JV – Ele voltou para o Brasil em 73.


CA – Aí ele gritava, não vou dizer nem o que ele gritava porque não é de boa educação. Mas ele imprecava contra o governo. No meio da rua. Daí eu o encontrei outra vez, quando ele chegou pra mim e falou assim: lê essa poesia. Aí eu li, era “Fabiana” (música feita em homenagem a FAB). Aí eu falei assim: essa “Fabiana” é a sua namorada? – não, é a Força Aérea Brasileira. Como o poema era as vezes enigmático, eu achei que estava ligado a algum distúrbio dele dessa síndrome de Estocolmo. Você conhece essa síndrome de Estocolmo? É quando a vítima se apaixona pelo algoz. Então eu falei: Será que ele tá com a Síndrome de Estocolmo? Será que é isso que tá acontecendo? Mas isso se alternou com outras coisas. A última vez que eu encontrei o Vandré foi num Candomblé, o Candomblé do Mendes.


JV – Aqui em São Paulo?


CA – É. Encontrei com o Vandré, ele estava legal. Essa época, essa contemporaneidade, do Vandré, minha, ela foi perturbadora, ela exigiu das pessoas que as pessoas fizessem alguma coisa. Qualquer tipo de coisa. E no fazer alguma coisa, essas pessoas foram encontrando, as vezes, caminhos não esperados pra si mesmo. E como talvez não estivesse preparado para assumir esse tipo de comportamento anti-Estado, anti-Governo, talvez tenha provocado nela, não é só o Vandré, uma porção de gente que ficou assim. Os outros que eram gente mais acostumada ao trato político morreram sem chegar nisso, muitos. E outros viveram como eu, entendendo passo a passo o que estava acontecendo. Você quando é um ativista político você não pode sair na rua levando um salva-vidas debaixo do braço, pra em caso de qualquer coisa você usá-lo. Então você tem que ter esse salva-vidas na cabeça, e as vezes as pessoas não tem, e levam um susto com o que está acontecendo em torno dela. Porque o Vandré ele tem muito talento. Muito talento. É talentoso como compositor, é um bom letrista como mostra em “Disparada”, a música não é dele, é do Theo (Théo de Barros). Em “Pra não dizer que não falei das flores” ele faz a música e a letra. A música não chega a ser uma coisa muito expressiva essa coisa toda, mas, a letra carrega a música e leva pra frente. Ele faz parte de uma geração, que é a geração da Bossa Nova que depois se transforma na MPB. E o Vandré foi aquele que passou pela Bossa Nova e já entrou na MPB. Porque a Bossa Nova era um movimento muito suave, eu creio, para o temperamento do Vandré.


JV – Ele dizia que a Bossa Nova recebia muita influência dos EUA.


CA – Bobagem. A música brasileira da bossa nova recebe muito mais influência do México do que Estados Unidos. Toda Bossa Nova é um bolero enrustido. Sabe? Isso é uma coisa que meu parceiro Carlos Lyra, ele dizia isso e ninguém acreditava. Não é americano é mexicano! Então essa geração é uma geração que foi em minha opinião, na República Brasileira depois do Império, a geração mais dinâmica que houve. Ela experimentou os golpes, as pancadas, as derrotas e as vitórias. E as construções. O que foi construído naquela época é base de tudo de bom que está sendo feito hoje, nas artes e fora das artes. Aqueles garotos que não eram das artes, um é governador de São Paulo, o outro é isso, o outro é aquilo. Então na política, em tudo, aquela geração forjou tudo que está acontecendo hoje em dia de bom. As porcarias vieram de outras fontes. Então é uma geração que se provou na prática. Eu diria que a geração da coragem de se assumir, não só como pessoa, como geração.


JV – O que não se vê hoje não é mesmo?


CA – Não hoje não. Hoje há uma timidez...


JV – As pessoas vivem num estado de inércia...


CA – O problema sabe, é uma palavra só. A grana. Hoje em dia os garotos de 13,14 anos eles já pensam na grana, então eles querem saber da grana. Na minha época a gente não pensava absolutamente na grana. A gente pensava em fazer coisas. O que nós vamos fazer? Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos fazer o cinema novo, o teatro novo, a música nova, a cultura nova, história nova, tudo isso estava se fazendo de novo. Esse processo era um processo de... Não tinha o que pagasse. Então, essa geração teve vários produtos que são muito forte, um deles é Geraldo Vandré. E o Geraldo Vandré ele teve a sensibilidade de entender que a nação brasileira durante os anos de chumbo precisava de um emblema, ela precisava se auto-reconhecer na arte. Então ele fez aquela música que deu um resultado preciso, tanto a “Disparada” quanto a “Pra não dizer que não falei das flores”. Por coincidência do destino ele iria disputar com Chico Buarque nas duas coisas. O Chico Buarque que era tido como um perigoso comunista, não era comunista, era um sujeito de esquerda sim, mas não era comunista. O Vandré também não era comunista, era um sujeito de esquerda sim, mas não era comunista. Mas, os meios de divulgação do governo e as pessoas que eram colocadas pelo governo nos jornais, achavam né?


JV – A mídia fomentava um pouco essa idéia dele ser perigoso para o Regime?


CA – Sim. A mídia era muito cerceada na época. Eu era jornalista então eu sei o que era isso. Muito cerceada. E o pior que tudo, pra não ser cerceada a mídia se auto-regulava. Então dava uma puxadinha no saco do governo aqui, pra poder falar uma coisinha aqui. Uma permuta nojenta, mas digna dos governos militares. Então dentro de tudo isso, o Vandré fez um trabalho muito bom com o Quarteto Novo. Porque o Quarteto Novo o acompanhava nos shows e o Quarteto Novo foi uma das maiores coisas que aconteceu no Brasil. Eles, um tempo ensaiavam na minha casa, o pessoal do Quarteto Novo.


JV - Voltando ao Vandré. Essa época que ele trabalhou com senhor ele chegou a encenar alguma peça? Porque eu li que quando ele veio para São Paulo, veio trabalhar com o Augusto Boal e com o senhor.


CA – Com o Boal eu não sei. Comigo, eu ensaiei ele como cantor.


JV – Só como cantor?


CA – É. Eu o ensaiei como cantor. Isso foi logo depois de 64, quando eu estava meio sem possibilidades. Eu estava trabalhando no Ministério da Educação, em 64. Estava lá no Serviço Nacional de Teatro quando estourou toda aquela bosta eu fiquei meio...


JV – O Senhor chegou a ser preso?


CA – Não. Não me deixei ser preso.


JV – Chegou a sair do Brasil?


CA – Não. Eu fui procurado. Depois quando já não interessava mais me prender eu fui impedido de trabalhar em algumas coisas. Eu fui censurado de forma total, ou seja, nada do que eu fizesse era pra ser aprovado. Essas coisas. Mas, nunca fugi de casa e também nunca fui preso.


JV – Na TV Excelsior o senhor foi um dos mentores do programa “Ensaio Geral”, não foi isso?


CA – do Ensaio Geral? Fui.


JV – E o Vandré se apresentava nesse programa?


CA – Se apresentava.


JV – Como era as apresentações dele , o senhor se lembra?


CA – Cantava as músicas dele. No Ensaio Geral nós tínhamos 70 cantores. Era a nova geração da música brasileira completa. Baby, Caetano, Betânia, Gil, tudo mundo lá, Sidney Myller, o melhor da geração estava lá. Foi em minha opinião o maior e o melhor programa de música brasileira que já foi feito no Brasil. Foi Ensaio Geral. O Vandré, como o Lyra, como qualquer outro daqueles nomes da Bossa Nova que se desviaram para esquerda, ele não podem ser examinados a margem do fato. Do fato governo militar e do que as pessoas tinha que fazer contra aquele governo e a favor de uma volta a democracia. Eles não podem sem analisados apenas como cantores e compositores. Eles não são. Eles são agentes do povo em determinado momento. Então essa é a diferença que hoje não tem. Hoje não tem nenhum agente do povo mais. O povo que se dane como diz o outro. Ninguém pensa no povo. Pensa no povo como comprador de seus discos, pra bater na palma na platéia...


JV – Apenas como consumidor, não é?


CA – É verdade. Não como agente da história. Até é uma besteira, se não for o povo quem faz a história, eu não sei quem é que vai fazer. Se um dia ficar provado que a história se faz no Congresso da República, eu realmente só tenho um caminho: o suicídio. Eu acho que a história se faz com o povo. É o povo que vai carregando... E principalmente o povo brasileiro que carrega esse País, que tem o ônus de carregar! E não é só o povo povão não! É a classe média! Que carrega esse país nas costas, que paga mais imposto que qualquer lugar do mundo, que trabalha pra cachorro! O Brasileiro é um povo muito trabalhador, embora as pessoas digam que baiano não trabalha, carioca não trabalha. Tudo isso é mentira, isso é mentira! O pessoal não conhece o Brasil, não sabem o que estão falando. Então esses... O outro é o Sérgio Ricardo. O Sérgio Ricardo foi muito importante também, não é porque é meu compadre, mas ele foi muito importante. E como eu sou um pouco responsável pela politização dele, como sou do Lyra também, aquele pessoal todo. Você leu o livro do Zuza Homem de Mello?


JV – A Era dos Festivais? Li.


CA – No livro você vai encontrar...


JV – No livro ele cita que o senhor era um dos jurados no III FIC...


CA – Mas no livro dele ele diz que quem virou a Bossa Nova pra MPB fui eu. Eu pessoalmente. Então, não fui eu pessoalmente. Isso aí é uma coisa que não é assim. Agora, quem apressou a tendência fui eu. Fiz a Bossa Nova virar outra coisa. Porque a Bossa Nova era muito suave. Imagina, numa época em que tinha gente morrendo nos porões da ditadura: “e o barquinho vai...” num era bem a coisa, embora eu adore essa música, eu acho que a Bossa Nova foi o movimento mais bonito...


JV – Ela era meio elitizada, não? CA – A Bossa Nova?


JVÉ.


CA – De certa forma, se você considerar que a Classe Média é uma elite, sim. Mas não era do ponto de vista cultural essas coisas. Ela tinha pontos que se destacavam, mas não era uma coisa geral. Você tinha ali muito talento musical, muito talento poético, essa coisa toda. E na MPB você tinha mais uma coisa: você tinha aliança, aliança com o povo. Então essa aliança ela fez com que a MPB suplantasse a Bossa Nova rapidamente. Porque quando você pega, vou dar um exemplo pra você: teve um festival que o Jhonny Alf colocou uma música, como é o nome da música? “Eu e a Brisa”. No dia que essa música foi julgada pelo júri eu estava trabalhando na “Última Hora” na época e o Solano Ribeiro era quem produziu o festival, e eu ali por trás da cortina soube que o júri tinha podado a música do Jhonny Alf. Aí o cheguei pro Solano e disse: Solano esse pessoal é louco, essa música vai durar a vida toda. Ele vai ter mais de 10 mil gravações, esse pessoal é idiota, eles não sabem o que estão fazendo. Não deu outra. “Eu e a Brisa” é um dos ícones da Canção Brasileira e a canção que ganhou na época... Qual foi? Eu nem lembro.


JV – Não é aquele festival que “Ponteio” ganhou não, é?


CA – Não. Esse festival que “Ponteio” ganhou eu peguei o fotógrafo do “Última Hora” e disse: Fotografa o ganhador do Festival. No 1° dia, ele ainda não tinha cantado a música. Eu já conhecia a música. Peguei ele e o Capinam: Fotografa aí os vencedores do festival. Eu sabia que ia ganhar. A música tinha tudo para o emblema. Embora fosse uma música decodificada. Naquele tempo as músicas elas tinham maquiagem, então quando você diz: “quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar...” embutido nisso tem a liberdade. Mas, essa época o Vandré é o mais louco dos representantes. Mas todos os outros são igualmente dinâmicos e alcançaram cada um o seu pedaço. O Sérgio Ricardo talvez seja o mais sério de todos. “Calabouço” que foi uma música que o exército tremia, desesperados.


JV – Houve uma peça de teatro com esse mesmo nome não é?


CA – Não me lembro. Mas eu em determinado tempo da minha vida, eu junto com o Sérgio Ricardo, Ary Toledo, Geraldo Vandré, formamos uma firma chamada ONDA – Organização Nacional de Divulgação Artística.