quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevista com Audálio Dantas (Jornalista e Escritor)

JV - Quando começou a sua relação com Geraldo Vandré?

AD - Essa relação começou nos anos 60, quando o País passava... No início, antes do golpe de 64 principalmente, havia um grande momento de criatividade no País, em todos os sentidos. Tinha Brasília, tinha a Bossa Nova, tinha o Cinema Novo, tinha a música de Geraldo nova e tal... E aí havia uma relação muito próxima entre pessoas... Aí depois da ditadura principalmente essa relação entre artistas, intelectuais, jornalistas, escritores, pintores, enfim.... Essa relação se estreitou muito porque havia um objetivo comum que era o de combater a ditadura, de resistir a ditadura. E aí essas pessoas se encontravam naturalmente. Nessa fase... Esse momento que o Brasil perdeu, foi desgraçadamente jogado fora pelos militares, porque era o momento do Brasil decolar em todos os sentidos. E foi frustrado isso pelo golpe, que inclusive tinha, evidentemente, claramente, comprovadamente, interesse estrangeiro. E nós então perdemos esse momento. Mas esse momento foi de uma riqueza extraordinária nesse sentido, porque apesar dos primeiros anos da ditadura já, antes do AI-5, mostrar a que eles vinham, mas ainda havia um certo espaço para o exercícios de determinadas atividades. E aí nasciam coisas novas, muitas coisas novas. Aqui em SP havia, pelo menos dois bares, dois bares, olha que coisa? Que reunia gente de todo lado: um era o Juão Sebastião Bar, você já ouviu falar? Que era uma idéia magnífica do Paulo Cotrim, reunia artistas...

JV – Ele ainda está vivo, o Paulo Cotrim?

AD – Não, morreu, infelizmente, era uma pessoa muito inteligente. E aí se reunia todo mundo. O Chico, por exemplo, começou a aparecer lá, muito tímido, como continua até hoje e outros grandes artistas passavam pelo Juão Sebastião Bar, e a gente lá se encontrava. E também noutro bar que se chamava Jogral, que era do Luis Carlos Paraná, e outros que havia na galeria Metrópoles lá atrás da biblioteca. E ali então você cruzava com todo mundo. Então era o Gil, o Gil de gravata e pasta debaixo do braço, o Vandré, aliás, acho que os dois tinham escritório ali num daqueles prédios da praça Dom José Gaspar. O Caetano aparecia de vez em quando. Havia uma livraria na galeria Metrópole que chamava Ponto de Encontro que era do João Carlos Meireles que também era outra coisa, era livro disso, enfim... Havia uma efervescência cultural muito grande e nesses bares além de artistas, jornalistas, boêmios em geral, aparecia cientistas, por exemplo, o que também por acaso é artista o.... Poxa vida, meu grande amigo, o que é biólogo como é o nome dele, que faz música? O autor do... Bom, depois eu me lembro, claro, é só um branco porque eu não podia me esquecer o nome dele... Bom e aí a gente se encontrava, trombava uns com os outros, e aí havia evidentemente troca de idéias etc e tal. Isso foi aos poucos se transformando em resistência contra a ditadura. Em 1967, 64, 65, 67 quando o governo Castelo Branco mandou o projeto da Lei de Imprensa, que ta aí até hoje, é uma lei fascista, tá até hoje, não sei qual é o mistério, mas essa lei continua em vigor, ela pode não ser utilizada na medida em que se pretendia, mas ela está aí inteirinha, é um dos mistérios da nossa democracia. Como é que uma porcaria como essa continua. Bom, eu então não era, era só jornalista, não tinha participação sindical, partidária, nada.

JV – Nessa época o senhor estava na revista O Cruzeiro?

AD – Nessa primeira fase era da revista O Cruzeiro. Mas aí quando veio a Lei de Imprensa, alguns jornalistas amigos começaram: Precisamos  fazer alguma coisa. O sindicato dos jornalistas estava praticamente dominado por grupos que eram no mínimo indiferentes a questão da censura, da liberdade de informação, não queriam se meter em política. Nós não nos metemos em política, nós somos um sindicato de trabalhadores, não nos metemos em política. Ai nós conseguimos, descobrimos uma brecha no estatuto e aí nós conseguimos convocar uma assembléia. Um número tal de sócios conseguia convocar uma assembléia. Convocamos uma assembléia, constituímos uma comissão de liberdade de imprensa, a revelia da diretoria do sindicato e começamos a fazer um movimento contra a Lei de Imprensa. Isso em 67, antes da lei ser aprovada, era então só um projeto. Eu estou contando isso para dizer que aí se engajaram artistas e um deles muito empenhadamente foi o Vandré, que depois faria o hino da resistência que é “Pra não dizer que não falei de flores”. Aí inicialmente tivemos o apoio de alguns jornais, principalmente do Estadão, que é um jornal de tradição liberal, mas depois o movimento cresceu tanto que o Estadão recuou, porque nós botamos o movimento na rua. Na rua talvez seja um exagero, mas nós colocamos um ato público para o Teatro Paramount e ali... E começamos a distribuir panfleto no Viaduto do Chá. Então se transformou numa coisa, digamos, para a época, subversiva. Mas, conseguimos lotar o teatro Paramount, lá estava sentado e de pé umas duas mil pessoas. E o Vandré foi lá e cantou...Eu não sei se já tinha lançado ou não, ele cantou “Pra não dizer que não falei de flores”.

JV – Essa música ele cantou no Festival de 68, foi nessa época então?

AD – Não, foi em 67, é por isso que eu estou dizendo, eu não se se ele cantou um pedacinho, porque de vez em quando a gente se encontrava assim no boteco...

JV – Foi nessa época que o senhor o conheceu?

AD – Não eu já o conhecia desde antes de 64. De vez em quando ele estava com a gente no boteco e dizia: “Pô, tô fazendo uma música assim e assim..” não que ele fizesse a música lá, mas ele tava elaborando. Eu me lembro muito bem uma que fala, eu não me lembro de títulos de música, mas, uma que fala “Fica mal com Deus...”

JV – “Fica Mal com Deus”, esse é o título da música.

AD – Então essa música ele cantarolou: “Olha essa música que eu tô fazendo , o que você acha?” Ele fazia isso de vez em quando.  Bom, o Vandré se casou, a gente algumas vezes... Ele se casou com a Nilce, uma mulher lindíssima, e ele morava no Brooklin, de vez em quando a gente... Bom, esse tipo de relação, é uma relação de identificação intelectual e identificação política. E o resto é o que a gente sabe mais ou menos.

JV – O senhor chegou a participar do CPC da UNE?

AD – Não, não cheguei a participar do CPC da UNE não. O CPC da UNE teve um papel importantíssimo no início da década, depois houve tudo aquilo que a gente sabe. Agora claro que, não diretamente, mas dos eventos, das coisas sim, porque tinha muito a ver com o Teatro, com Música e tudo isso aí. Os espetáculos, a gente tava sempre lá. Eu quero dizer que eu não participei da instituição, do organismo.

JV – Entendi... Mas, ele (o Vandré) chegou a comentar alguma coisa com senhor da época que ele participou? Porque, pelo que consta, ele saiu do CPC da UNE porque considerava muito panfletária. Não concordava com algumas coisas.

AD -  Nunca. Ele nunca me comentou isso. Eu estranho ele falar “panfletária”, porque essa música dele (Pra não dizer que eu não falei das flores) é um panfleto (risos).

JV – Então, muita coisa que ele diz é contraditória.

AD – Você falou com ele agora?

JV – Falei algumas vezes por telefone, ele me concedeu uma entrevista por escrito.

AD – Digamos que o Vandré de hoje não é o Vandré dos anos 60 e 70. Não é, positivamente não é.

JV – O senhor teve contato com ele depois do exílio?

AD – Tive poucos contatos. O que ele viveu, em minha opinião, é uma tragédia. Ele viveu a tragédia, primeiro do exílio - Eu não sei exatamente o que aconteceu com ele no exílio, há várias versões - e viveu a tragédia da volta ao país. Quando ele voltou ao País ele foi, você sabe disso claro, né? Ele foi a televisão dizer que tava arrependido... E não foi o primeiro, todo mundo sabe aquilo como acontecia. Eram pessoas que eram reféns do regime e eram obrigados. Outros... Pode ser que realmente acreditassem que estavam.

JV – O que foi dito nos jornais da época, é que quando ele voltou, em Julho de 73, somente depois de um mês é que ele apareceu publicamente no Jornal Nacional dizendo que nunca havia se envolvido com partidos políticos e que a partir daquele momento só iria fazer canções de amor. De certa forma, renegando tudo aquilo que antes ele...

AD – Não, claro, de certa forma não! Então ele dizer que isso, aquilo, é panfletagem, hoje pra mim não vale. Eu continuo tendo a maior admiração pelo artista Vandré, pelo homem Vandré, mas, o que ele diga hoje, o que ele pensa, eu não concordo. Eu não acredito que ele julgasse alguma coisa panfletária, porque ele era um panfletário em si.

JV – Uma das perguntas que eu fiz a ele foi sobre o episódio do Jornal Nacional, e na sua resposta ele deixa claro que aquilo foi uma armação da Globo. Segundo ele, ele estava falando sobre os acontecimentos no Chile, sobre a queda do Allende, e foi feito uma montagem relacionando o que ele estava dizendo com a situação dele no Brasil.

AD – Tudo é possível, tudo é possível porque, não só do ponto de vista da ditadura, como da Globo, porque a Globo  naquele momento ela estava estritamente ligada a ditadura, ao governo. Mas o que houve em outros casos é que, todo mundo sabe, que os militares obrigavam o cara ir à televisão e dizer.

JV – Mas ele foi o único que fez isso, não?

AD – Não!

JV – Eu não li em nenhum jornal que isso tenha acontecido com outros artistas.

AD – Artista eu não sei, mas outras pessoas. Eu não me lembro agora...

JV – Tanto o Vandré como o Chico Buarque voltaram antes do fim da Ditadura e com o Chico Buarque não houve essa pressão toda.

AD – Sim! Por isso cada pessoa... Cada cabeça é uma cabeça. Mas houve com outras pessoas. Artistas que eu me lembre não, mas, outros participantes da resistência a ditadura fizeram declarações de arrependimento na televisão. Fizeram sim, não foi só o Vandré. Eu não me lembro agora, mas certamente sim. Bom. Aí depois o outro contato que eu tive depois da volta dele... Essa coisa no Jornal Nacional deixou muita gente irritada, né?.

JV – Tem gente que até hoje o considera um traidor...

AD – Eu não chego a isso. Pra mim... Também pode ser. Eu não acho que ele seja um traidor, mas, pode também, não pode deixar de ser. Há aquela indignação porque, todo mundo, você vai para o exílio e os outros ficam brigando aqui dentro. Foi o meu caso, ai depois o cara volta, era seu companheiro, depois diz isso... Você claro, no mínimo você se decepciona. Foi meu caso. Mas também no meu caso eu considerei essa hipótese muito provável dele ter sido chantageado, obrigado a fazer aquilo pra se livrar talvez de coisas piores, de tortura, coisa que o valha, prisão, coisas que o valha. Porque ainda não havia anistia né, e o regime estava cada vez mais, 73 era o Médici, era o período mais duro do governo militar.

JV – Segundo ele, quando voltou, não foi pelos militares que ele foi preso e levado pra depor, foi pela Polícia Federal.

AD – Sim, mas a Polícia Federal ficava no aeroporto pegando as pessoas que estavam voltando. Tinha a lista completa. Eu mesmo, quando fui Deputado, fui várias vezes esperar pessoas que voltavam pra evitar a prisão. Não sei se conseguia evitar ou não, mas muitas vezes eu fui e dizia: olha estou aqui esperando fulano, pra ver se livrava pelo menos o tal de.... Aquilo era mais ou menos clandestino. Bom, aí eu fui eleito presidente do sindicato dos jornalistas em 75 e um dia o Vandré, um dia não, mais de um dia,  ele apareceu lá. Apareceu um dia, depois outras vezes, ele apareceu. Mas, ele  já era outra pessoa. Outra pessoa. Ele não pensava aquilo que pensava, não dizia nada sobre aqueles...

JV – Sobre o que aconteceu?

AD – Antes... Dizia coisas mais ou menos desencontradas. Aí começaram as versões: o Vandré perdeu a memória, o Vandré isso, o Vandré aquilo, etc... E eu confesso que isso me entristeceu muito. A pessoa que eu conheci não era mais, não era mais aquela. Aí ele pedia pra escrever numa máquina. Tinha lá várias máquinas de escrever, não tinha computador ainda, isso foi em 75, 76. E ficava lá escrevendo, dizia umas coisas, ia embora. Isso não foi muito além. Também ninguém o hostilizou, eu não permitiria que alguém o hostilizasse, claro. E depois, muito tempo depois eu o encontrei junto com o Assis Ângelo que é amigo dele. É um jornalista também, eles são muito amigos, talvez seja bom você entrevistá-lo. Bom, mas então, a outra vez, isso faz, sei lá, uns 6, 7 anos ou mais que eu o encontrei, fui a casa dele aí na Martins Fontes. Aí ele desceu, ele veio até... Não sei se ele desceu ou se a gente já encontrou na rua...
 Aí eu disse: ô Vandré!
Perder uma carreira brilhante como aquela é uma coisa trágica...
- Pó,  cadê a música?
- Não, eu tenho aqui uma nova música.
- Aí eu tive um misto de decepção e também de... Sei lá, de lástima. Porque ele me mostrou uma letra de música...

JV – Fabiana?

AD - É. E eu digo - Porque ele escreve bem né? -  Você nota alguma coisa aí?
Ele tava querendo que eu..
. O título é Fabiana.
Aí tem uma estrofe, uma coisa que nem é grave, mas, tem um ligeiro erro de concordância.
- Tem essa concordância aqui.
- Filho da puta, é mesmo!
- A Fabiana é sua nova namorada?
- Não. É a Força Aérea Brasileira.

Aí realmente, ficou um misto assim de engraçado, trágico e cômico. Eu não vejo razão pra um sujeito escrever uma música pra Força Aérea Brasileira, entendeu? É isso.

JV – Parece que ele tem uma afinidade muito grande com a FAB.

AD – Tudo é possível. Não é o fato do pessoal da Aeronáutica de participado do golpe também que a FAB... A FAB é uma instituição.

JV – Ele diz que é um sonho de criança...

AD – Não, mas ele não é normal. Eu não escreveria jamais uma música pro exército pô, jamais. Não porque eu não goste do exército, é porque eu sou uma pessoa que não tenho nada a ver!  Pode ser que ele tenha, tenha esse sonho.

JV – A época que ele saiu do Brasil, o senhor acompanhou?

AD – Não, não. Por que as coisas aconteciam, tudo era vertiginoso, não dava pra... De repente fulano sumiu. Ou sumiu, tinha sido preso e morto como aconteceu com vários, Jornalistas mesmo foram mais 20 jornalistas mortos ou desaparecidos. Então na verdade essas coisas a gente sabia depois. Cadê fulano? Tá no exílio.

JV – Do ambiente dos festivais o senhor participava?

AD – Ah sim também. Os festivais foram grande momento também. Era curiosamente, ao mesmo tempo em que era uma coisa de... Um negócio né, porque era negócio da televisão etc, mas era uma manifestação de alguma coisa de desabafo os festivais. Ele atraía muito a juventude, principalmente porque aquilo lá era um momento de liberdade, aquela coisa, e também tinha a ver com a musica brasileira que crescia, houve a frustração do golpe mas ela era uma espécie de resistência, era uma resistência. Então ia o Chico, aparece o Caetano brilhando no festival, o Gil, o Vandré, enfim. e grandes talentos que foram revelados ali. Eu participava e havia aquela, evidentemente eu não era daquela torcida frenética, mas eu gostava muito daquilo. Participava, ia assistir, mesmo porque eu tinha muitos amigos que estavam lá no palco, então eu estava lá. Quando surgiu “A Banda”, a banda é de 67 né?

JV – Foi quando venceu “Disparada”. É o Festival de 67.

AD – A Banda e Disparada, exatamente. Eu inclusive fui a Portugal aquele ano e levei um compacto, e eu me lembro que os amigos que eu tinha em Portugal, que também acompanhavam aqui, porque eles estavam em plena Ditadura também e torciam pela nossa libertação, porque logo mais eles conseguiram, em 74. E aí era um sucesso, eu fiz um sucesso enorme com Disparada e A Banda lá em Portugal. Quer dizer, eram momentos muito importantes, e eu participei. Tinha o Walter Silva que participou, organizou o Fino da Bossa, tudo isso tinha a ver com a resistência.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Junior - 3ª parte (Final)

Jeane Vidal – Essa fuga do Vandré foi mais por paranóia dele, porque ele achava que seria preso ou de fato foi decretada a sua prisão?

Alberto Helena – Não, aconteceu o seguinte: o Chico havia sido chamado para depor, é que é preciso entender muito a época. A época propiciava paranóia mesmo. Eu próprio, até hoje me arrependo, minha ex-mulher só falta me dá croque na cabeça... Quando aconteceu a morte do Vlado (Vladimir Herzog) o Fernando Faro era diretor da Cultura e me ligou naquele sábado de manhã, eu morava no Morumbi, e ele me ligou e  disse “o Vlado e o Marquito foram levados para o Dops e eu queria o telefone do Rui Mesquita pra vê se o Rui Mesquita (que era o dono do Estado, do Jornal da Tarde), pode interceder pra que não aconteça nada com eles”. Eu peguei o telefone do Rui Mesquita, passei pra ele e a noite no dia seguinte, ficamos sabendo que ele tinha sido morto lá. O Rui Mesquita foi lá e teve tempo de tirar o Marquito, mas não conseguiu tirar o Herzog. Porque o Marquito trabalhava com ele, era repórter econômico do Jornal da Tarde. E a tarde eu fui para o jogo de futebol lá no Pacaembu, depois fui para o jornal escrever a coluna e quando eu estava voltando a noite, eu não tinha carta, nunca tinha tirado carta, dirigia sem carta. E cheguei ali na subida da Avenida Morumbi, ali no alto, quando cheguei ali, estava o exército, com metralhadoras, porque é perto do Palácio ali. Mandaram eu encostar o carro, eu encostei, pediram documentos tal, eu fiquei assustado. Eu estava lá negociando com os caras e chegou um Sargento lá e me reconheceu de negócio de futebol, aí quando souberam que eu era jornalista só de esportes me liberaram. E eu cheguei em casa apavorado, com medo que os caras tivessem ouvido qualquer coisa. Aí queimei um monte de livro de marxismo, joguei tudo na lareira de casa... Era um tempo de terror mesmo, sabe? Era muito medo, você ouvia barulho do lado de fora da sua casa, você olhava pela janela você via caminhões do exército parados, você não sabia o que era, era um terror! Espero que ninguém mais tenha que passar por isso! Temo que as gerações que vieram depois não tenha a menor noção do que foi e sejam até capaz de, como na época as paneleiras foram lá bater panela, venham fazer essa mesma besteira no futuro. Bm, mas enfim... Eu lembro que o Chico tinha sido chamado, ele (o Vandré) eu não me lembro se chegou a ser chamado, parece que foi, vários tinham sido presos, muitos desaparecidos, isso desde 64, mais a coisa aumentou a partir do Ai-5 em 68. O Vandré, ele eu acho que foi por medo mesmo que saiu, como o Chico. O Caetano e o Gil foram presos lá no quartel do Rio de Janeiro porque teriam cantado Hino Nacional em ritmo de rock O Randal Juliano andou falando no rádio, e eles foram lá e pegaram os dois. Eles não chegaram a apanhar, mais sofreram humilhações e também foram liberados e também caíram fora. Todo mundo começou a... Começou a revoada, todo mundo foi e o Vandré foi também, porque ele era o mais visado...

Jeane Vidal – Mas, ele foi um dos primeiros a ir embora?

Alberto Helena – Acho que foi mais ou menos todos na mesma época. Eu me lembro, eram jornalistas, quem tinha uma ligação mais íntima com a política da esquerda caiu fora. Ficar aqui era um risco. Outro que desapareceu, teve até uma cena muito engraçada. Quando foi dado o golpe em 64 o Chico de Assis, que era jornalista e teatrólogo,. O Chico de Assis era ligado ao CPC, tinha muita militância política e logo após o golpe ele sumiu. E foi pranteada pela turma durante muito tempo. Um dos mártires, um daqueles que haviam sido mortos. Contavam várias histórias, que ele tinha sido jogado do avião.... e todos nós ficamos lamentando... (risos) e logo depois que eu casei no festival de 67 aquele do violão do Sérgio Ricardo, que ele jogou o violão no pessoal, também começo do tropicalismo “domingo no parque” e tudo mais... Eu tinha comprado uma casinha no Alto da Boa Vista e esse foi o primeiro festival que houve a gravação em vídeo tape, que era reproduzido depois. Então eu combinei com a turma pra ir lá em caso pra gente assistir em casa tomando um wisquezinho e tal. O Gil, Caetano, a Gal, o MPB-4, o Chico, o Toquinho, enfim todo o pessoal que tava ali, pra ir lá. E entre eles o Inácio Loyola e o João (cantor Leão de Chácara), cantor aqui de São Paulo, morreu já. E um deles, um dos caras que eu convidei era o Chico Maranhão que foi classificado com uma música que fez muito sucesso “Gabriela”. E esse desgraçado do Maranhão convidou a Puc inteira pra ir em casa, e era uma casa pequena. O cara chega convidando tudo quanto é... de repente aquele casa virou um inferno, gente pra todo lado, e eu olho lá, chego na cozinha quem é que tava fazendo guerra de melancia e queijo? O Toquinho, o Torquato Neto e o Chico de Assis! vivíssimo!

Jeane Vidal – E aonde ele tinha ido parar esse tempo todo?

Alberto Helena - Diz que tinha ficado escondido anos numa fazenda da mulher dele, do sogro dele, uma coisa assim. Até o Loyola depois no livro dele “Zero” tem um capítulo chamado “A festa” que ele conta esse episódio. O nosso “mártir” tinha sido surpreendido vivíssimo fazendo uma guerra de melancia.

Jeane Vidal – Perdeu a chance de virar mártir (risos)

Alberto Helena – Então tinha essas coisas, então tudo isso fazia, colocava essa paranóia mesmo.  Agora pelo que eu soube a volta dele, ele não foi torturado, ele que se dispôs a fazer aquele depoimento, aquela retratação. Aquilo foi um absurdo, aquilo foi um crime contra todos os companheiros. Por medo, isso aí ninguém me tira da cabeça.

Jeane Vidal – Parece que ele sofreu uma pressão psicológica muito grande, não é?

Alberto Helena – É, mais todos sofremos, todo mundo sofreu e só ele que fez aquilo, mais ninguém.

Jeane Vidal – O que eu li é que todos que voltavam naquela época eram submetidos a essa retratação pública.

Alberto Helena – não, porque o... Bom, os que voltaram naquela época.

Jeane Vidal -  É porque ele voltou antes da anistia. Ele voltou em 73.

Alberto Helena – Mas eu também acho que os baianos voltaram antes da anistia.

Jeane Vidal – A anistia foi em 79...  Embora  ele legalmente nunca tenha sido exilado.

Alberto Helena – Não, ele próprio se exilou, como todos os outros! Aliás nem o próprio João Goulart e o Brizola foram exilados do país, eles que se exilaram.

Jeane Vidal  – Parece que houve uma negociação entre a família dele e um coronel do exército, pra que ele voltasse, porque parece que ele estava passando por dificuldades no Chile.

Alberto Helena – É muito possível que isso tenha acontecido por conta da doideira dele. Porque ele era difícil tratar e de repente ninguém queria. Ele era muito megalomaníaco, muito complicado, muito...

Jeane Vidal - As pessoas acabavam se afastando...

Alberto Helena – Acabavam se afastando, ninguém queria negócio com ele, entende? Ele tinha coisas... Depois da volta,  ele ia no Estadão, por exemplo,  sentava lá na máquina, ficava escrevendo,  ele não era nada, não era funcionário, ninguém sabia o que fazer com ele...

Jeane Vidal – E as pessoas deixavam-no entrar?

Alberto Helena – Ele era o Geraldo Vandré! E ninguém sabia se ia lá... E também não tinha muito portaria, essas coisas de segurança que tem hoje. E ele era o Geraldo Vandré, parece que andou namorando uma Mesquita lá, ou quis namorar, não sei... Eu sei que ele andava por lá, ficava lá, batucando a máquina e ninguém sabia o que ele estava fazendo lá. Ele tinha umas coisas de maluco. Depois que ele voltou ele ficou uns tempos morando na casa do Faro, se você procurar o Faro ele vai te contar essa história. Ele estava na caso do Faro e pediu o carro emprestado e saiu. Daqui a pouco o Faro recebe uma ligação. Ele foi preso passeando na porta do quartel de Quitaúna. Era uma coisa de louco!

Jeane Vidal – As pessoas que conviviam com ele, nessa época, não era tão amigas dele  a ponto de agüentar essas "loucuras"?

Alberto Helena – Eu acho que o único...

Jeane Vidal – Ele não tinha um vínculo forte com ninguém?

Alberto Helena – Ele era muito egocêntrico, e quem não se dá acaba não recebendo né? É difícil uma pessoa que seja só ele, mais ninguém, que crie um vínculo de amizade, porque amizade implica em reciprocidade, ele tem que aceitar o outro, ajudar. Quando você só fala, e é só você, e outro vai falar você percebe que o cara não tá nem prestando atenção, tá pensando nele, então você não cria vínculo. O único que eu sei era o Fernando Faro, cuja casa ele dormiu várias vezes, e eu acho que o Faro é que pode falar muito mais, porque conviveu, o cara vivia lá na casa dele.
Então, aí quando ele voltou teve esse negócio de renegar tudo que tinha feito e dizer que nunca fez música de protesto e começou a fazer umas músicas que eu, confesso a você, que eu não tive mais contato.

Jeane Vidal – E depois que ele voltou vocês não tiveram mais contato?

Alberto Helena – Não, eu tive umas duas vezes. Uma vez eu era comentarista de futebol da Bandeirantes, eu tinha visto ele por lá, mas, não quis conversar.  Certo dia eu estava saindo, ele deve ter me visto passar no corredor, eu estava no carro e no que eu dei partida pra sair ele parou enfrente do carro. Aí parou na frente do carro e veio falar comigo. “você agora é muito importante lá no Estado, você não me arruma um emprego lá, você me arruma um emprego de seu auxiliar, você não precisa de um auxiliar?” Umas conversas malucas.  A outra vez foi nessa noite que eu encontrei que ele estava até com uma moça, que ele cantou umas músicas que tinha feito, nada que me tivesse marcado a ponto de guardar na memória. E depois nunca mais. Enfim, essa é minha história com o Vandré.

Jeane Vidal – Você acha que o fato dele nunca mais ter cantado no Brasil foi opção dele ou foi porque realmente ninguém queria assumir compromisso com ele?

Alberto Helena – Eu acho que é a combinação dos dois. Eu acho que no fundo ele sabe que fez merda em ter feito o que fez. Dizer aquilo tudo, renegar tudo, fazer aquele depoimento em favor da revolução do golpe militar. E outra é essa coisa que também existe esse cooperativismo, mais naquele tempo, naquele período, hoje é a lei de Gerson.

Jeane Vidal  – Existe uma briga com relação aos direitos autorais. Segundo ele algumas pessoas gravaram suas músicas sem autorização.

Alberto Helena - Aí eu não sei essa questão.

Jeane Vidal – Ele disse em uma entrevista que não vai atrás, que não liga pra dinheiro.

Alberto Helena – Ele não é mesmo argentário, vamos dizer assim. Aliás o contrato que ele fez com a Record do “Disparada” foi um contrato mirabolante naquela época. O pai dele também, eu acho que tinha grana, ele era fazendeiro. Ele tinha uma “pinimba” com o pai, os dois viviam brigando e se amando e brigando. Mas, isso também pode ser coisa de pai e filho. Mas eu sei que o pai, eu me lembro, na época, era fazendeiro, tava bem de vida eu não sei em  que deu. Mas o Vandré de qualquer jeito ele foi naquele período, anos 60.... E essa música dele (Disparada) é uma obra prima  da música popular brasileira que ficará eternamente. É um legado dele que não tem paralelo. Disparada, a criação do Quarteto Novo, que foi um show absolutamente novo, brasileiro, mas,  ao mesmo tempo universal. E isso foi da cuca dele, foi invenção dele. E enfim, o fato do programa “Disparada” ter o primeiro musical editado no Brasil, tinha um alto nível cultural. Ele recitava, fazia monólogo de Guimarães Rosa, Drumont, era um outro nível. Era um programa muito importante culturalmente falando, embora tenha sido um desastre pra  fazer e pra se manter no ar. Ficou pouco tempo no ar. Ele era muito esquisito, muito maluco, mesmo quando ainda não era reconhecidamente louco.

Jeane Vidal – A ex-mulher dele, Nilce Tranjan, em uma entrevista diz, quando questionada sobre a suposta loucura do Vandré,  que se ele está louco é porque ele sempre foi assim,  desde quando ela o conheceu ele sempre teve essa postura anti-convencional.

Alberto Helena – Ele é megalomaníaco, tudo dele era melhor, você não podia dizer “ Pó você viu a letra daquele samba do Paulinho?” “a minha é melhor! Você viu a minha?” era assim. Não tinha espaço pra ninguém. Sabe, o Chico, tinha essa grandeza, se fosse ele nunca faria isso, nunca!

Jeane Vidal– O problema era vaidade excessiva então?

Alberto Helena – Eu acho que vai um pouco além disso. Eu acho que o caso dele é meio patológico. Eu não sou médico, nada disso. Mas se você conversar com todo mundo que conheceu o Vandré na intimidade vai dizer isso pra você. Se a própria mulher disse isso é porque é verdade. Ela dormia com ele, conhecia e foi quem mais gostou dele, afinal de contas, casou. Eu sei que no final ela me dizia que não agüentava mais, não suportava mais, era muita loucura, era muito eu, eu, eu.... não sobra nada pra ninguém.

Jeane Vidal – Ele diz que nunca se assistiu cantando "Caminhando", que nunca viu nenhuma cena do Festival.

Alberto Helena – Ele não passava em frente do espelho sem parar e ficar se olhando! O Vandré deve ter visto milhões de vezes! Quando você falou esse negócio que aconteceu com ele. Foi a mesma coisa que aconteceu com Wilson Simonal.

Jeane Vidal – Wilson Simonal foi tido com dedo-duro, delator...

Alberto Helena – A diferença é que o... Olha que tremenda coincidência. Nós estamos falando tudo isso, eu me lembro de uma discussão na revista Cruzeiro, na redação, do Vandré com o Simonal sobre política. O Simonal era um cara de direita, semi-alfabetizado, e o Vandré de esquerda, e os dois brigando lá discutindo,  os dois eram meus amigos e foram me procurar lá, eu trabalhava de repórter especial do Cruzeiro e os dois se pegaram numa grande discussão lá.  E os dois acabaram tendo o mesmo destino, quer dizer, o Vandré porque renegou  e o Simonal porque ficou tachado de direitista e o pessoal tirou ele de cena. Tanto é que ele não teve mais sucesso depois daquele episódio do motorista.

Jeane Vidal – O Sérgio Ricardo também ficou esquecido...

Alberto Helena – Mas o Sérgio Ricardo não tinha o talento do Vandré. Sérgio Ricardo era um caso até mesmo mais versátil, porque o Sergio Ricardo era Radialista, era Jornalista, era Diretor de Cinema, ele fazia programa, fazia música. Ele tinha um preparo musical muito maior do que o Vandré. Ele fazia regência, tocava piano muito bem, era um cara de uma formação, vamos dizer assim, mas enciclopédica. Lia mais que o Vandré. O Vandré era um talento bruto, aquela coisa que nem os baianos também. E o Sérgio Ricardo já era... mas, ele não tinha talento pra criar. Também como o Vandré ele começou fazendo e compondo e interpretando música romântica. O primeiro LP do Sérgio Ricardo chamava Mister Tédio. Depois ele virou, ele passou a fazer essa música de protesto. E também sumiu, nunca mais vi. Ele ficou muito marcado com aquela história do “Beto Bom de Bola”, do violão, ele ficou muito indignado com aquilo. Mas, ao contrário do Vandré que era esfuziante, o Sérgio Ricardo ele tinha uma certa tendência a melancolia, se enraivecer, fazia ele voltar pra dentro de si. Também a música brasileira foi massacrada nas última três décadas.

Jeane Vidal – E o João Gilberto era amigo do Vandré?

Alberto Helena – Não.

Jeane Vidal – Ele foi o primeiro professor de violão do Vandré.

Alberto Helena – Pode ser sim. Mas eu confesso pra você que eu não me lembro deles conviverem. Não sei, teve uma época que o Vandré morou no Rio, pode ter sido antes desse período.

Jeane Vidal  – E com o Chico(Buarque) ele tinha um bom relacionamento?

Alberto Helena – O Chico também é outro Padre. Sempre com aquele sorriso. Tá tudo bem pra ele... Mas, não era da turma. A turma do Chico era eu, que saía sempre junto, eram poucos, eu, o Paulinho da Viola, e a turma dele da faculdade de arquitetura. Conhecia o Vandré, se davam bem, mas não era... O Vandré gravou, apresentou uma música do Chico, mas não era assim... íntimo. Quem era mais íntimo do Vandré... Eu fui durante um período amigo do Vandré, o Fernando Faro foi o tempo inteiro, o Franco Paulino foi também durante um período, o Trio marayá, principalmente o Hilton Accioly, o pessoal do Quarteto Novo... Músico, músico instrumentista é tudo muito desligadão... Quem pode também falar dele é o Théo de Barros, foi parceiro dele em Disparada e outras músicas, é um cara muito lúcido, muito boa gente e tal. O Goulart de Andrade... O Juca de Oliveira não foi amigo dele, mas, conhecia muito ele da casa do Faro, porque o Juca é genro do Faro. E era amigo do Faro desde quando a atual mulher dele era menininha ainda. Então ele deve ter convivido muito com o Vandré e pode contar algumas histórias. Ah! A mulher dele (do Juca)  também pode contar muitas histórias. 

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Junior - 2ª Parte


Fachada do antigo Teatro Record (atual Teatro Abril), localizado na rua Brigadeiro Luiz Antônio, no centro de São Paulo

Jeane Vidal – Foi quando o Chico Buarque disse que se dessem pra ele o prêmio ele devolveria em público?

Alberto Helena – Exatamente. Pra você vê o alcance dessa música. Aí surgiu o seguinte: a nossa turminha, eu, o Solano e o pessoal todo ali da música, todos nós reuníamos desde os anos 60, porque essa coisa da musica veio pra São Paulo, era no Rio, nos anos 30 era tudo no Rio, nos anos 40, 50. E nos anos 60 veio para São Paulo, aqui é que começou borbulhar o show universitário, circuito universitário, era muito forte, o show da Mackenzie, um show que eu fiz pra Engenharia do Mackenzie em 61, chamado Cancioneiro do Brasil, apresentado por Sérgio Porto.  Eu trouxe Araci de Almeida, Silvio Caldas, Ciro Monteiro, Jacó do Bandolim, foi um espetáculo aquele show. Aquele show foi tão significativo que o Vinícius de Moraes que estava na platéia -  porque no dia seguinte ele ia participar de uma manhã de autógrafos dos livros da Editora Sabiá - ele ficou tão impressionado, porque quando a bossa nova surgiu ela meio que passou a repudiar a chamada velha guarda, essa dos anos 30, a época de ouro, então criou-se um conflito, e o Vinícius que tinha vivido a experiência anterior e era um dos pais da bossa nova resolveu fazer junto com o Baden Powell um samba chamado “Samba da Benção” que ele pedia benção a todos esses velhos compositores, cantores, músicos, como se fosse um abraço a velha guarda e a música brasileira dando essa dimensão maior, histórica. Bom, aí tudo acontecia aqui e, continuou, isso tudo fazia parte de um projeto cultural nosso que implicava em combater o lixo na televisão, o lixo era se comparado a hoje, era ouro em pó,  porque, o que tem de lixo hoje na televisão, não chega... Era o Chacrinha, a Jovem Guarda do Roberto Carlos, isso aí era o lixo cultural e a gente queria sobrepor com um movimento músico cultural, músico literário, que tivesse uma dimensão maior e tivesse um objetivo maior que era o objetivo político de conscientizar as massas, um sonho de uma noite de verão, um fato que na época funcionava. Então tudo isso era feito, isso implicava em muitas discussões, debates, fóruns sobre música popular. Tinha um restaurante, um bar em São Paulo que chamava Ponto de Encontro, que era um misto de livraria e bar, que se fazia muita palestra, fazia muitos debates, discutia-se Música Popular Brasileira, e  cada jornal tinha um crítico de música popular brasileira, coisa que eu fui também, aí era todo o projeto. Como o festival era a grande chave de entrada nesse mercado da Televisão que estava começando a ganhar uma dimensão maior, esperávamos que, a turma do Solano, quer dizer, o Solano, eu, o Renato Correia de Castro, Marilú Martinelli, que eram as pessoas do núcleo que faziam o Festival,  esperávamos que fossemos ganhar na seqüência do Festival, o programa, porque já o Fino da Bossa começava a se esgotar, um programa musical com os caras do Festival: Chico, Vandré, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Toquinho, toda essa tropa... Mas acontece que o Paulinho de Carvalho resolveu entregar para a Equipe A, que era composto pelo Nilton Travesso, o Tuta, que era irmão dele e dono da Jovem Pan hoje, Raul Duarte, e o Manuel Carlos, hoje escritor de novelas. Essa era a Equipe A que era a turma principal; as produções eram dividas em núcleos, e então o que aconteceu: o Paulinho entregou o programa do Chico e da Nara “Pra vê a banda passar” para Equipe A e jogou no nosso colo Ronnie Von que era tudo quanto a gente não queria. O Solano Ribeiro que era contratado da Record, ganhava uma nota violenta, ele falou: eu não faço, isso eu não faço. E eu não era contratado, eu ganhava por produção, e precisava, estava pra casar e tal, eu precisava, tinha parado com jornal, minha profissão mesmo. Falei:  não, eu tenho que encarar essa, fazer o quê né e aí até fui eu que dei o nome dos Mutantes aos Mutantes, eles tinham um nome lá em inglês, complicado. O Ronnie Von falava muito, era da mutação, nós somos todos mutantes...

Jeane Vidal – Mas o Ronnie Von  não fazia parte dos Mutantes...

Alberto Helena – Não, ele era o dono do programa, ele era o apresentador, a figura principal, ele tinha acabado de fazer sucesso e a idéia do Paulinho de Carvalho era pegar um público entre uns 12 a 16 anos, principalmente meninas adolescentes que eram todas apaixonadas pelo Ronnie Von, pelos olhos claros, os cabelos loirinhos, jogava o cabelo pra trás, era um encanto, a meninada ficava doente, pra fazer um programa ao vivo no domingo antes da jovem guarda. A Jovem guarda começava cinco, seis horas da tarde, então esse programa seria das duas as cinco, uma coisa assim, das quatro as cinco, e deu Ronnie Von. Pra mim era uma tortura aquilo, guitarra elétrica, aquela coisa, aquelas músicas, mas enfim, tive que fazer. Mas acontece que nesse processo o Vandré e os baianos ficaram enciumados com o negócio de o Chico comandar um programa, então, entrou a fogueira das vaidades. E surgiu uma possibilidade de fazer um programa na TV Excelsior chamado “Ensaio Geral” e que eles foram fazer, eles não quiseram participar da Banda “Pra vê a banda passar” e foram fazer esse Ensaio Geral na TV Excelsior. E foi também uma confusão porque aí o Vandré queria ele comandar o programa, os baianos queriam eles comandarem, no fim ficou aquela encrenca e eu fui no Paulinho de Carvalho e no Marcos Lázaro e disse: “Pô vocês precisam trazer o Vandré pra cá”.

Jeane Vidal – O Marcos Lázaro era o empresário dele?

Alberto Helena – ele era empresário, o empresário de todos os principais cantores e era associado a Record na venda dos tapes dos programas da Record porque naquele tempo não tinha Embratel, então os programas eram vendidos e enviados os tapes de avião para as outras praças. Aí os dois falavam “Helena você tá louco, esse cara é maluco, ele só vai criar problema...” e eu “não deixa comigo eu seguro as pontas por ele”. Porque a minha intenção era botar o Vandré no ar, segundo era ter um emprego, um contrato com a emissora que eu produziria o programa dele. Na época ele tinha lá o empresário dele, o Marcos Pereira, não o Marcos Lázaro, o Marcos Pereira que era Pernambucano e tinha sido Secretário da Cultura e era muito amigo do Aloísio Falcão. Eles vieram fugidos, lá quando o Arraes foi preso e tal, vieram pra São Paulo e esse Marcos Pereira tinha uma graninha boa e montou uma agência de publicidade dentro da Record e fez uma série de produtos magníficos, discos, todos eram de grandes artistas, produziam grandes discos e acabou se matando, ninguém sabe direito o porquê. Mas, o Marcos Pereira, passou a cuidar dos negócios do Geraldo Vandré, então as reuniões eram lá e tal. Aí o Vandré com a Megalomania dele, queria fazer... Foi o primeiro programa... Já isso quase matou o Paulinho de Carvalho (dono da emissora) do coração. Porque naquele tempo os vídeos-tapes eram aqueles quadriplex enormes, fitas enormes, que pra você editar tinha que editar como filme, tinha que cortar e colar os pedaços. E isso você pegava um rolo de duas horas de duração, você acabava transformando em meia hora, depois se quisesse gravar em cima, só podia gravar meia hora, não podia gravar mais, que eles reutilizavam, porque era caríssimo. Bom, conseguimos convencer o Paulinho fazer o primeiro programa musical editado. Era uma coisa trabalhosa, toda cheia de sofisticação e caro! Deixava o Paulinho doente... No fim o Paulinho aceitou a idéia deles, assinaram o contrato e vamos resolver com é que vamos fazer. Reunião no escritório do Marcos Pereira. Começa assim: Roberto Santos faz a parte do visual do programa; o Fernando Faro vai ser um dos diretores do lado do Vandré. Agora, o Paulinho de Carvalho exige que o Solano Ribeiro seja o Diretor pela Record.. E eu sentado ali ouvindo: terminou, aí eu, o Renato Correia de Castro vai ser o Assistente de Produção... “Escuta, e o boneca aqui? que montou tudo, que fui lá convenci os caras e de todos que estão aqui é o único que não tem contrato, ta todo mundo contratado, pô? Vai todo mundo tomar no...” E fui embora! Tentaram gravar o primeiro programa e foi uma cagada geral. Um dia chegam lá em casa Vandré, Solano, queriam que você participasse. “Tá tendo uns probleminhas aí na gravação, pra você cuidar lá dos velhos, a velha guarda, fazer os textos...”  “Eu vou, como é que é?”  “Tem que ser produção, aquela merda de sempre, ganhar uma graninha...” “Tudo bem, vamos lá, não tenho nada mesmo, tô a zero”, e fui fazer... Começou, era um parto da montanha cada seguimento a ser gravado. Os caras ensaiavam lá na casa da minha mãe. O Vandré, O Quarteto Novo, o Trio Marayá, os cantores convidados e tal. Ensaiava lá e depois gravávamos de madrugadas depois da meia noite, a gente gravava, pra você ter uma idéia...

Jeane Vidal – Nessa época era no Paramont?

Alberto Helena – Não, era no teatro Record da consolação. Aí aquele teatro lotado, você acredita, de madrugada de gente para assistir. Expectador pra assistir a gravação. E a gravação era torturante, não tinha fim, não acabava. O Vandré criava mil e oitocentos problemas por segundo. Era o texto que ele queria reescrever, era a luz que ele não gostava, era a maquiagem, era o enquadramento, tudo que você pudesse imaginar. Bom, nós conseguimos. Gravamos um, gravamos dois, era uma coisa de passar a madrugada inteira gravando. Teve um programa do qual participou o Ataulfo Alves. Ataulfo Alves era já velho na época, morreu pouco tempo depois. O Ataulfo chegou do Rio com a malinha dele, nem foi para o hotel, já foi direto lá pra minha casa, lá pra casa da minha mãe na Avenida Brasil, pra participar do ensaio. Ficou lá a tarde inteira, saiu de lá fomos jantar e fomos direto para o teatro pra gravar. Começamos gravar lá pelas 11 horas, meia-noite. Já era umas 3 horas da manhã e o velho lá de pé, ele já estava a mais de 45 minutos, porque tinha o cenário, tinha a parte de cima, uma tapadeira assim, aí de lá descia um convidado, saia de lá, descia uma rampa até chegar no palco mesmo onde estava o Vandré. Ele estava de pé, não tinha nem lugar para sentar, ele já estava a 45 minutos, sem falar nada, ele era de uma elegância! E como você gravava tapes, não era uma seqüência, você podia gravar um tape antes depois o outro, você ia editar mesmo. Lá para umas três horas da manhã o Solano, eu ficava na platéia, e o Solano lá dirigindo no palco. O Solano desceu, chegou pra mim e  falou “Helena toca pra mim que não agüento mais esse cara, eu vou tomar um melhoral”

Jeane Vidal – Ele estava falando do Vandré?

Alberto Helena - Do Vandré. O Solano era plácido, sabe? Um sereno lago azul, sempre foi. Eu falei tá bom e subi. Ele tinha que gravar um monólogo e ele não acertava. Nada estava bom. E repetia, e não gostava, e repetia de novo e gravava de novo. E tinha platéia, um monte de gente na platéia e mais quatro ou cinco câmeras. Aí eu preocupado com o Ataulfo lá, cheguei no ouvido dele: “Vandré vamos fazer uma coisa, isso aqui tá enrolado, vamos liberar o velho que tá lá 45 minutos de pé, ainda não foi em para o hotel. Gravamos a parte dele e depois nós gravamos”. Aí ele pôs o microfone na boca e disse assim: “Eu quero saber uma coisa, quem é que dirige esse programa é você ou é o Solano Ribeiro?” ahh, eu naquela época era pavil curtíssimo, eu estava com os papéis todos na mão, de roteiros, peguei o microfone e falei: É a puta que pariu seu filho da puta! E joguei os papéis nele, joguei o microfone nele e saí. Falei  “bom, tô despedido”, cheguei lá fui no barzinho, tinha um barzinho do lado, chamei o Solano: “Solano vai lá que já fiz merda”. Aí chegou o Marcos Lázaro que tava lá assistindo “Helena, isso agora vai dá um problema”. “Eu sei amanhã eu venho aí e pego minhas coisas” e fui embora. No dia seguinte cheguei lá, e na nossa salinha, que ficava lá em cima, no lugar do Solano, tava sentado o Vandré, e do lado dele de pé o Fernando Faro. “ô baixinho, tudo bem? Eu vou pegar minhas coisas” e nem olhei na cara do Vandré. Ele: “não vai me cumprimentar não?” -“eu não cumprimento filho da puta”. Começamos a discutir  “vamos brigar, vamos brigar” – Vamos brigar, desce que eu tô louco pra te encher a cara” Aí descemos as escadarias, e era assim: tinha a porta principal na Record, no prédio da Record ficava no lado do teatro, e antes da porta do lado direito tinha uma porta de madeira que dava no vídeo-tape e que tinha uma saída própria. Eu saí pela porta e o Faro do meu lado. Saí, na porta tinha aquele monte de gente pra pedir autógrafo, ficava lá na porta da Record dia e noite, era uma loucura. Atravessei pelo pessoal e fiquei ali no meio fio esperando ele sair pela porta. De repente eu sinto um soco na cabeça por trás, eu olho é ele que tinha saído pela porta do vídeo-tape, me deu um soco na cabeça e entrou correndo pra dentro do vídeo-tape. Puta! Mas eu queria matar o desgraçado! Aí fiquei ali do lado daquele barzinho da Record com o Faro tentando me controlar, porque não dava pra eu entrar e bater nele lá dentro... Aí eu fiquei ali.... De repente vem o Vandré, no que eu vi que ele vinha vindo eu parti pra cima dele e aí comecei a dar uns cascudos, então ele virou de bunda assim pra mim e tentava tirar o cinturão, aí eu parei de bater e disse assim: “eu vou esperar você tirar o cinturão que você vai apanhar com ele e tudo”, aí ele não conseguia abrir o cinturão, eu dei mais uns dois ponta pés na bunda dele, fiquei com medo até de jogar ele dentro do vidro do teatro, e falei: “aonde eu tiver você saia, se eu entrar e você entrar, você sabe que vai apanhar, você é louco pra tuas negas e você também é mau-caráter. O que você fez foi por mau-caráter, tentou me desmoralizar diante de todos os caras aí ”. Falou no microfone, se fala isso pessoalmente, batia boca e ficava por isso mesmo, mas, foi uma coisa pensada, foi pra me sacanear diante de todo mundo. Aí nunca mais tive contato com ele, e o programa também logo depois acabou. Aí houve o negócio dele de “caminhando” a fuga, que segundo me contou a mulher dele naquela época se deu com o auxílio do então governador do estado Abreu Sodré. É eu não se isso tem fundamento ou não, mas segundo ela me contou, ele teria ido com o Sodré pra uma fazendo do Sodré em Araraquara...

Jeane Vidal – Pelo que eu li parece que ele ficou escondido na casa da viúva do Guimarães Rosa em Minas.

Alberto Helena – Essa história eu já não sei. Eu ouvi da mulher dele na época...

Jeane Vidal – Nessa época ele ainda era casado?

Alberto Helena – Ele era casado ainda com a....

Jeane Vidal – A Nilce Tranjan?

Alberto Helena – a Nilce. Ou estava separando dela, ou estava recém-separado, mas, no tempo que nós fazíamos esse programa eles viviam juntos.

Jeane Vidal – Ela está viva ainda?

Alberto Helena – Deve ser, não sei.. Nunca mais soube dela, ela era uma moça muito bonita, inteligente, também não agüentava mais ele! E ela me contou isso, que ele foi com o Abreu Sodré para uma fazenda em Araraquara.  De lá ele pegou um aviãozinho e foi para o Paraguai e do Paraguai ele foi... Enfim. Ele fez durante um tempo antes do festival, a Rhodia fez um show, uma turnê pelo Brasil, um show caríssimo, era ele, acho que o Paulo Autran, eu não me lembro muito bem como é que era, eu sei que era um esquema muito caro, uma produção muito cara... Aí ele fez esse show e o sucesso de “caminhando” extraordinário.

Jeane Vidal – Eu li uma entrevista do Jair Rodrigues, que ele diz que qualquer um podia cantar “caminhando”, menos o Vandré, era ele cantar e os militares iam atrás dele.

Alberto Helena – É verdade. Aquela censura era ridícula. Primeiro era trágica, qualquer censura é trágica, mas era ridícula porque ela não tinha nenhum critério, cometiam cada besteira, faziam cada bobagem, coisa sem sentido, censurava o que não podia...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Júnior (Jornalista e Comentarista Esportivo) - 1ª Parte




Alberto Helena - O Vandré é o seguinte: O Vandré ele começou fazendo música romântica, e na verdade ele se orgulhava muito de ser bom cantor...

Jeane Vidal – A princípio ele só compunha?

Alberto Helena - Não, ele começou cantando, depois começou compor.

Jeane – Ele gravou um disco com imitações do Francisco Alves e  Orlando Silva, inclusive foi financiado pela mãe dele.

Alberto Helena – Eu não sei... Então ele começou assim, começou a compor música romântica, isso antes do grande movimento da MPB. Aí ele... Primeiro, a grande participação dele foi no l° festival da Música Popular Brasileira em 65, que foi na Excelsior, não na Record. Ele defendeu uma música do Chico Buarque, uma marcha rancho, se não me engano, ele com a Tuca, que era uma cantora que cantava com ele, o que a gente chamava de marcha do João XXIII, que era nova mão, pé no chão e tal né... Naquela época fervilhava a questão política, o público jovem, o pessoal era muito de esquerda e achava que aquela música era um pouco “cristiana” demais (risos). E o Vandré de repente saiu dessa linha e entrou na linha da música de protesto. Porque isso aconteceu assim: é preciso que você tenha, pelo menos se não tiver, uma visão do contexto da época, eu estou falando do começo dos anos 60.  A música brasileira ela se definiu como tal quando ela ganhou característica como música brasileira nos anos 30, final dos anos 20, dos anos 30 até mais ou menos, metade dos anos 40, fim da guerra. Nesse período, que havia uma noção de nacionalidade muito grande, forte, no Brasil, com a ditadura Vargas e tudo mais, a música brasileira ganhou um perfil, ganhou uma cara, uma característica e tal, com o choro, samba, as marchinhas de carnaval, as serestas, várias modalidades, mais a música folclórica do nordeste, do Rio Grande do Sul, enfim, ali ela ganhou uma característica, e o samba era o gênero principal, era o mais característico, principalmente o samba carioca. Então, a partir de 45, depois da guerra, começa  a grande influência americana, a influência através dos Estados Unidos. Então o que fazia sucesso nos Estados Unidos rebatia aqui, então podia ir desde o Jazz, até o mambo, o bolero, as músicas caribenhas e tal que faziam sucesso lá, através da política da boa vizinhança lá de Hollywood, dos filmes, musicais, etc e tal, e das gravações, rebatia no Brasil, e porque houve uma grande imigração do europeu para o Brasil durante a guerra, também as músicas de outros, música italiana, música espanhola, música francesa, os hábitos mudaram. O que antigamente era um cabaré virou uma boate no estilo bem francês. Então foi mudando essa característica da música e ficou uma coisa muito difusa. O samba virou sambalado ou sambolero, como dizia Ari Barroso. Ele reduziu o andamento pra ser ouvido e dançado em boate e tal, os cantores foram perdendo o potencial da voz, passou a ser uma coisa mais sussurrada, então, aí era o império da breguice. Quando surge a bossa nova no final dos anos 50, começo dos anos 60 e que vem com essa idéia de fazer uma música mais refinada, baseada no Jazz, o jazz americano, principalmente o cool jazz, o jazz mais de gabinete, mais de trio,  quartetos e tal, e isso criou a bossa nova. O João Gilberto fez uma releitura daquela música brasileira dos anos 40, e isso prevaleceu. Mas aí surgiu com um grande movimento, movimento dos jovens, mas não tinha muita penetração popular. Aí quando no começo dos anos 60 cresce a questão política no Brasil, a luta entre esquerda e direita e os jovens muito participantes, muito militantes, universitários e tal, a bossa nova começa ser questionada como sendo uma  música de  classe média alta, distante do povo, música de apartamento com o se dizia, um banquinho, um violão, a coisa muito intimista que não tinha o poder de... E agia na época a idéia de que tudo, todas as artes, teatro, cinema, música, enfim, deveria fazer parte desse movimento político pra ajudar no caminho da evolução, da conscientização do povo, porque se dizia o seguinte: o povo é alienado, precisa desalienar, é preciso dar consciência política a esse povo, mostrar o que é o lado bom e o lado ruim. Então nesse processo a música popular entrou pra valer muito mais, porque ela era mais poderosa que o cinema, por exemplo, nacional que os recursos eram pobres em relação ao cinema americano, e mais do que o teatro que o povo brasileiro  não tem o hábito de ir ao teatro e a música, no entanto, ela tinha esse poder, esse canhão, ela se espalhava e atingia as grandes massas. E começou então...  Houve um racha dentro da bossa nova, Carlinhos Lyra, a Nara, eles se aproximaram dos compositores do morro, os compositores populares eram o  Zé Keti, Luis Carlos Salgueiro, toda aquela turma do Rio de Janeiro e começaram a criar aquilo que depois começou a se chamar de MPB e que foi desencadear nos festivais e tal e que eram uma coisa mais flamante que a  bossa nova, mais comunicativa, com grande público e que usou a televisão que era o grande instrumento de divulgação para mandar essa mensagem. E o Vandré reinou nesse período como um dos autores... Porque aí, isso tudo faz parte do movimento criado pelo Centro Popular de Cultura, que era no Rio de Janeiro, o CPC, lá no Rio e aqui em São Paulo. Aqui era o Chico de Assis que era o teatrólogo, passou também a fazer música, e música nessa linha. Eu mesmo fui um dos primeiros a fazer música de protesto, o Geraldo Vandré com o Geraldo Cunha. Em 61 fiz um samba, fizemos alguns, mas um deles acabou tendo relativo sucesso, principalmente lá no Rio de Janeiro, era “eu não sou do morro” (eu não sou do morro não, mas é que o morro é de corpo, alma e coração....)

Jeane – Você chegou a gravar?

Alberto Helena - Foi gravado pelo Taiguara, pelo Geraldo Cunha e por um outro cantor que tinha aqui em São Paulo, Hugo não sei o que lá, eu não me lembro o nome... No Rio ela tocou bastante com a gravação do Taiguara. Bom, mas aí, então foi essa febre, da música de protesto, todo mundo entrando, todo mundo não, mas o grupo, principalmente o Vandré, ele era a grande marca...

Jeane – O Chico Buarque também?

Alberto Helena – O Chico, ele na verdade ele fazia mais crônica social do que música de protesto. Ele foi fazer mais música de protesto depois do golpe militar, depois do AI-5, foi em 68, o golpe foi em 64, a partir de 68 foi quando ele começou a fazer, inclusive com aquele pseudônimo Julinho de Athaíde, e o Chico partiu pra essa... Inclusive em 67, 68 a discussão que havia entre o grupo do Gilberto Gil, o grupo dos baianos, Gil, Caetano, e o a turma do Chico é que o grupo dos baianos acusava o Chico de não ser crítico suficiente nas músicas, que ele era muito romântico, era muito lírico, vamos dizer, pra época, mas depois o Chico foi muito mais incisivo e tudo mais. Mesmo porque o Chico, de todos eles, era o que tinha melhor preparo cultural, intelectual, acadêmico, por conta até do pai dele que era um grande pensador... Mas enfim, então nessa virada o Vandré que era um cantor de música romântica passa a ser um militante da música.

Jeane-  O que hoje ele nega não é? Ele diz que a intenção dele nunca foi política.

Alberto Helena – É... Bom... A gente não pode entrar na cabeça dos outros... Mas, não era o discurso dele na época, porque foi esse o período que a gente conviveu muito. Mas ele tinha bom... Ele tinha pretensões que, vamos dizer assim, ultrapassavam a simples mensagem política revolucionária. Ele tinha uma preocupação de ordem estética cultural que a maioria dos que faziam este tipo de música não tinha, Carlinhos Lyra, o Sérgio Ricardo que era outro desse movimento. Ele queira algo mais, isso era patente. E quando ele fez “Disparada” foi realmente uma coisa... Eu acho que foi a música que o cara atingiu a perfeição, de acordo com os objetivos dele. Eu nunca me esqueço da noite que ele cantou pela primeira vez pra nós. Porque era assim: isso foi em 66, o Festival da Record, que foi o festival da Banda, Disparada, o festival que lançou o Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Caetano... Então ali, por exemplo, ele não era compositor no sentido comum, porque ele não era... Tocava violão mal e tal, mas não o cara de pegar e... Tanto é que quem fazia todos os arranjos era o Hilton Acioli que era o parceiro dele, que na verdade traduzia em música o que ele estava querendo fazer. Mas ele tinha a genialidade, ele era um gênio nesse negócio. A música é dele, não era do Hilton Acioli, você entende? O Hilton Acioli deu o formato, você entende? A música nasceu dele, assim como a letra era só dele. E nessa época, o festival era o seguinte: tinha que ser música inédita pra ser aceita. E tanto é, que todos eles, cada um estava fazendo a sua música e era segredo, cada um mantinha segredo...

Jeane – Só se sabia quem era o compositor quando saía o vencedor?

Alberto Helena – Não, o que não se sabia... Era assim: não se divulgava a música antes dela ser apresentada pela primeira vez no festival. Então não podia ser gravada, não podia ser cantada em lugar nenhum e tal. Mas na verdade se conhecia os compositores porque eles eram apresentados quando a música era apresentada.

Jeane – Os compositores só eram revelados quando era escolhida a música vencedora?

Alberto Helena – Não.  Esse, de 66, como foi o de 65, como foi o de 67 e 68 era assim. Inclusive o de 66 eu fiz parte da produção do festival. A direção era do Solano Ribeiro e eu era o produtor. Fazia os textos, e toda a fase de escolha das músicas foi feita na casa da minha mãe. Meus pais tinham uma escola ali na Avenida Brasil, onde tem hoje o laboratório Fleury, é um casarão grande que tinha lá, e na parte debaixo era a escola, escolinha maternal e pré-maternal e tinha um barracão lá no fundo, onde as crianças faziam judô, tocavam música e tal. Tinha piano, instrumentos musicais e a gente... Toda fase de escolha... Qualquer um podia se inscrever... Qualquer pessoa ... Então a escolha, tudo foi feito lá. Eu tenho até a foto... O Cesinha (César Camargo Mariano) no piano e as partituras que os caras mandavam, começava e tal.. O júri ali presente... Essa pode jogar fora, não, essa não... E assim foi feita a escolha. Mas a gente não conhecia quais as músicas que os caras iriam apresentar.

Jeane – Sabia quem era o compositor, mas não sabia qual era a música, é isso?

Alberto Helena – Exatamente! Porque esses caras já tinham sido escolhidos de antemão né, eram profissionais e tal, que iriam apresentar as músicas para serem aprovadas. Aí, uma noite... e a gente queria saber...  O Chico até a gente conhecia “A Banda”. O Vandré fazia mistério com a música dele... No fim ele sentou num carrinho dele, um fusquinha que ele tinha, na frente do Juão Sebastião Bar, ele parou o carro... Estava eu, Solano e acho que o Luiz Vergueiro,  e ele cantou no carro a música “Disparada”. Aquilo foi...

Jeane – Se não me engano o Zuza no livro A Era dos Festivais, relata esse episódio.

Alberto Helena – É eu contei isso pra ele.

Jeane – Ele chama todos vocês para ouvirem a música, não é isso?

Alberto Helena – Não, não chama... A gente saia toda noite juntos tal, nós vivíamos na noite, boemia direta. E estava sempre juntos, e aquela noite nós estávamos todos juntos e não sei pra onde que a gente ia... E ele cantou, e foi um arrepio geral! Foi uma coisa! Não dá, quando uma coisa é nova, ela é nova quando é nova, depois que todos os elementos que ela apresentou de novidade já foram reincorporada no tempo e várias outras, por exemplo, a sua geração não vai ter o mesmo impacto, aquilo já tá diluído em outras, então você já não tem a mesma noção, mas aquilo foi porque ele conseguiu fazer o seguinte: o que é a música mais popular, mais até do que o samba? É a música sertaneja, porque ela está presente no nordeste, no centro-oeste, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, Minas, no Rio, interior do Rio... Essa é a mais abrangente. Das músicas nacionais a mais abrangente é a sertaneja, é a do sertão, que tem lá cada uma sua característica. Ele conseguiu pegar isso, e que era a música que menos tinha sido trabalhada urbanamente, quer dizer, ela permaneceu até aquela época, depois é que veio essa coisa do sertanejo, eles falavam que era música sertaneja naquele tempo, agora é música caipira. E que deram esse tom mais urbano, porém brega. Ele não, o que ele queria... Porque a música caipira naquela época era encarada como brega, porque ela era muito primária, tirando João Pacífico, Menino da Porteira, essas coisas todas, a grande maioria era coisa pobre. Ele pegou o espírito de Guimarães Rosa e trabalhou essa linguagem, pegou Guimarães Rosa e com a música sertaneja, o ritmo e a melodia típica, ele juntou os dois e conseguiu um efeito extraordinário. Lembra aquela seleção holandesa de 74 que o carrossel holandês foi um fenômeno tático no futebol que nunca mais se reproduziu, só aconteceu naquele período. O “Disparada” nunca mais se reproduziu, ele não fez uma escola, ele ficou suspenso no ar como uma obra única. Poderia ser um caminho, mas que ninguém alcançou. Depois tentaram, Almir Sater chega um pouco perto, tem uns caras que...  Mas o “Disparada” ficou sozinho. E mais, por que aí ele junta o Trio Marayá pra fazer o vocal de apoio e mais o Quarteto Novo que era outra coisa que foi ele quem criou, com músicos extraordinários, talvez os melhores que o Brasil já tenha produzido, cada um com seu instrumento. Com um som inteiramente novo, inclusive com uma queixada de burro que o Airto Moreira, isso foi idéia do Airto Moreira mesmo, que usou, e que tinha um efeito não só musical importante como visual, uma coisa absolutamente nova. E o Quarteto Novo era um time de craques, tinha o Hermeto Paschoal que era um gênio, o Heraldo Monte, o Théo de Barros, que era um excelente violinista, enfim, um som inteiramente diferente, uma coisa nova, sensacional, tão sensacional que pela primeira vez e única na história do Brasil, neste país, o cidadão comum discutia estética cultural, discutia cultura nos botequins, nas padarias, na porta de jornal, porque, o Brasil se dividiu entre Banda e Disparada. E os argumentos que você ouvia, eram argumentos de especialistas do povo: “mas, a Banda é mais brasileira, é mais romântica, é mais o nosso povo, é uma volta às marchinhas de antigamente...”  O outro dizia: “mas, Disparada é uma criação nova, é um avanço...” quer dizer, o povo discutindo cultura... Nunca houve isso antes, nunca houve depois. Pra ver a força desse negócio! Criou-se a turma dos Bandistas e a turma dos Disparadas, era torcida como Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Vasco, essas coisas... E quando terminou a votação deu Banda. Banda em primeiro e Disparada em segundo. O Paulinho de Carvalho que era o dono da emissora, ele ficou “pô, os caras vão quebrar o teatro, não é justo pô” Porque ele também estava envolvido naquilo, torcendo, e olha, ele não gostava do Vandré como pessoa, ninguém gostava do Vandré como pessoa, só o Faro (Fernando Faro). Aí o Paulinho: “eu acho que tem que dividir esse prêmio”. Chamou o Júri, o júri foi reunido e o Chico Buarque foi o primeiro a dizer “não, eu não acho justo, Disparada não pode ficar em segundo lugar”, e aí foi resolvido dividir o prêmio, primeiro lugar para os dois.