Telé na platéia do Festival da Record em 67 |
JV - Onde você
conheceu Geraldo Vandre?
TC – A gente se encontrava todas as noites, nós tínhamos um ponto
de encontro aqui em São Paulo, chamava Sand
Churra que era na galeria Metrópole, hoje não tem mais. A galeria existe,
ali na Praça Dom José Gaspar. Ali a gente encontrava os músicos e intelectuais.
Dali nós íamos para Galeria Zarvos na livraria do Paulo Bonfim.
Minha relação com a música já é
de família e com o meio artístico também. Nos idos de 57/58 início da fase da
Bossa Nova a nós íamos aonde a gente queria ouvir a boa música, onde tinha os grupos a gente se encontrava:
Marcos Valle, Paulo Sergio Valle, Wilson Simonal, Claudete Soares, Carlos Lyra,
Nara Leão, João Gilberto nós estávamos sempre juntos. O João Gilberto eu
conheci em 1959 na União Cultural Brasil-Estados Unidos. Ele foi lá pra assistir
o show do Zimbo Trio que estava no início, não era Zimbo Trio ainda, era o Luis Chaves, O Sabá e
o Pedrinho Mata. O Pedrinho Mata estudava inglês na União Cultural, e toda
segunda e sexta feira tinha um chamado “Solo Fest”. Aí os anos foram passando e
a gente foi conhecendo o Geraldo Vandré desse meio. Ele sempre foi uma pessoa
arredia, uma pessoa muito seletiva, e nós ficamos muito do lado dele, porque as
músicas dele eram músicas que falavam de amor e panfletárias também. Em 62 não
tinha ainda ditadura, nós estávamos em plena fase da Bossa Nova, e ele, o Vandré
estava com aquela música “Fica mal com
Deus quem não se dá...” e ele cantava com aquela moça, a Ana Lúcia “Eu sem você não sei mais viver...” ele
fazia a segunda voz com ela. Tanto que em um show que ela fez a cerca de uns 4 ou 5 anos atrás ele foi assistir.
Não sei se ela está em São
Paulo porque a família toda dela era de Santa Catarina ela estava
aqui em São Paulo
meio que perdida depois que terminou o movimento musical. E Geraldo Vandré foi
assisti o show dela onde e apresentou
junto com Wilson Simonal. Foi uma das últimas apresentações do Wilson Simonal.
E o Vandré é uma pessoa muito inteligente, um cara muito culto, formado em
Direito e na época da Ditadura era Fiscal da Sunab. Com a Ditadura os direitos dele foram cassados eele teve que
sair do País.
JV- A prisão dele chegou ser decretada?
TC - Chegou, foi decretada sim. Olha, na noite que ele cantou “Pra não dizer que não falei das flores” no Maracanã foi a última apresentação dele no
Brasil.
JV – Mas, nesse período ele estava em uma turnê pelo Brasil, não estava?
TC – Lá no Mato Grosso, lá no Brasil central. Ele foi tirado do
país por um capitão do exército. Ele estava em Goiânia. O empresário
dele se chamava Borges. O Borges me ligou e disse: Telé você precisa me fazer
uma favor: eu preciso pegar as roupas do Geraldo Vandré porque ele tem que
deixar o país e eu preciso levar algumas coisas dele embora. E era uma época
muito repressiva então o que a gente fez: ele marcou comigo duas horas da
manhã. Eu morava no viaduto Santa Efigênia (o edifício ainda está lá). Foi a
minha vizinha que me deu o recado. Eu fui
atender o telefone quase onze horas da manhã e marcamos para a noite.
Então duas oras da manhã eu saí, não
tinha carro nem nada, peguei um táxi, eu não tinha carro. Marquei com ele na
Alameda Barros, o apartamento dele (Vandré) era na esquina da Br. de Tatuí, a Al. Barros,
não me lembro se era 4° ou 7° andar. Peguei a chave com o Borges que estava
distante do apartamento olhando pra todos os lados. Fui no apartamento juntei
um monte de roupa dele, fiz duas
trouxas, sai com uma e saí com outra, fui buscar uma e fui buscar outra. Botei
dentro do carro do Borges e nunca mais vi o Vandré. Aí fiquei sabendo que ele
tinha saído do País, foi pra Bolívia e depois foi para o Chile. Quem tirou ele
do país foi um capitão do exército.
JV - Esse capitão do exército era amigo da família?
TC – aí eu não seu porque o Borges não me falou. Quanto menos você
soubesse menos você se comprometia, então, era um capitão do exército que estava
tirando ele, e eu supus nessas alturas do campeonato que esse capitão podia ser
o Lamarca.
JV – Alguns jornais citam que quem o ajudou na época foi o então
governador Abreu Sodré.
TC – Ele (o Vandré) esteve na recepção da Rainha Elizabeth em 68 no
Palácio do governador, era o Sodré o governador, e ele esteve no jantar. Ele, o
Juca Chaves, Plínio Marcos, todo mundo lá, provavelmente deve ter sido o governador
Abreu Sodré, eu tenho plena certeza. O Borges falou pra mim, quem tirou o
Vandré do país, foi um oficial do exército, um capitão do exército, botou ele
num jipe e tirou ele do país. Nem no carro dele ele foi.
JV – Tudo isso foi conseqüência do impacto causado pela música
“Caminhando”?
TC – A música Caminhando. Se você perceber a letra fala das botas
dos militares. A letra é bem clara. Já começou quando ele fez Disparada.
JV – Mas você acha que a intenção dele era “bater de frente” que o regime?
Porque hoje ele nega.
TC – Era, era... O Vandré, hoje em dia, a cabeça dele é outra, ele
tem uma lucidez bárbara, ele é de uma lucidez maravilhosa, um cara inteligente,
um dia vão contar a história dele direitinho... A esperança da gente, que
conhece o Vandré, é que um dia ele fale publicamente, cante... O Vandré não tem
consciência da potencialidade dele. Se ele se apresentar, fizer um show, ir
para o Morumbi, vai lotar. É evidente
que ele terá que convidar alguns artistas. Meu sonho é que um dia ele autorize
a gente produzir um show pra ele, você pode ter certeza que no show dele vai
Chico, vai Milton Nascimento, esse povo todo é da era Vandré, e que, infelizmente,
ele se distanciou dessas pessoas pelas razões que nem ele sabe explicar.
JV – Mas esse distanciamento você acha que ocorreu só por parte dele?
TC – Sabe o que acontece? Uma das coisas que o Vandré me disse uma vez,
que ele queria que eu o acompanhasse, produzisse um show pra ele, que ele
queria fazer primeiro no Paraguai. Mas, eu falei: Vandré eu não posso viajar,
eu tenho família, eu tenho emprego fixo, eu não posso viajar. Eu posso produzir
pra você, mas, aqui. Porque você não faz o show aqui? Aí, não quer fazer
televisão porque diz que a televisão paga uma fortuna para Paul McCartney e tem
que pagar pra ele também. Eu Falei: Vandré, você não estipula preço pra você,
você não têm preço! Se você cantar no Morumbi você vai lotar o Morumbi. Eu
tenho certeza, vai lotar. As pessoas vão querer vê o ídolo que todo mundo fala
que é o Vandré e não sabe onde ele está. Então por isso que eu digo: Você teve
um privilégio em chegar perto dele, porque na padaria ele chega perto de todo
mundo lá porque as pessoas não sabem que ele é o Vandré. Ele é uma pessoa
comum. Um dia um cara chegou e cismou com ele e bateu nele lá. Ele não é uma
pessoa agressiva fisicamente, ele não é de agredir alguém fisicamente, ele pode
até ser agressivo na forma dele se expressar, ser arredio, ele não é agressivo,
ele é arredio.
JV - É verdade que o Pai dele era Deputado Estadual em João Pessoa , ele era
do Partido Comunista?
TC - É, era.
JV - Então ele já tinha uma veia política?
TC – Lógico, ele sempre teve. O Vandré não é uma pessoa agressiva,
ele parece ser agressivo, ele é uma pessoa arredia. Ele é uma pessoa muito boa.
Se você sentar e conversar com ele, qualquer assunto se ele se interessar ele
vai falar. Agora da vida particular dele, nem entre amigos ele fala. E nem quer
saber a vida dos outros. O Vandré é uma das figuras do meio artístico... É uma
Greta Garbo do meio artístico... Ele quer ficar sozinho.
JV – Ele sempre foi assim?
TC – Ele foi casado com uma amiga minha que era publicitária, a
Nilce Tranjan.
JV- Ele teve outras esposas além dela?
TC – Que eu saiba não. Ele teve uma namorada na França. Teve uma
namorada também no Chile. Na época era época do Pinochet ele foi obrigado deixar o Chile, e foi embora
pra França. E lá ele ficou até a anistia. A gente tinha notícia dele através de
amigos que estavam na França. Ele teve de deixar o país, ele não deixou o país
junto com o grupo de exilados. Os exilados saíram porque foram trocados com
embaixadores.
JV – E essa história de quando
ele voltou? Dizem que a volta dele também foi negociada com o coronel do
exército?
TC – da FAB. E lê fez uma música chamada Fabiana.
JV – Mas isso foi depois, em 85
que ele fez essa música.
TC – não, não, foi quando ele voltou, ele voltou em 78, 79.
JV – 73, foi em 73 que ele voltou para o Brasil.
TC – Não nessa época ele não estava no Brasil.
JV – Foi, foi em 73.
TC – não, não, não... 73 em plena ditadura? Me desculpe...
JV – Justamente por isso que existe uma polêmica em torno disso...
TC – Ele não voltou em 73 eu tenho certeza.
JV – O que diz em todas as matérias que eu li a respeito, nos jornais
da época... Eu fiz uma pesquisa extensa e consta que ele voltou em Julho de 73,
só que ficou durante um mês sendo interrogado em uma base militar...
TC – Imagina, estava em plena ditadura...
JV – Então, mais aí é que está, justamente por isso há essa polêmica.
Muitos dizem que ele se vendeu em troca de voltar para o Brasil. Tanto é que
falam que a volta dele antes da anistia foi porque houve uma negociação entre a
família dele e o exército, porque ele estava passando por vários problemas
psicológicos e aí a mãe dele foi ao Chile busca-lo de volta. E segundo consta,
a permissão dele permanecer no Brasil foi condicionada a essa declaração que
ele teve que fazer no Jornal nacional, em rede nacional, dizendo que nunca
esteve envolvido com partido político....
TC – Eu não lembro disso...e olha que eu acompanho o Vandré... e
não lembro disso.
JV – Por isso que eu estou te perguntando. Porque existem muitas
histórias e não sabemos até que ponto tudo isso é verdade. Eu tenho inclusive o
jornal da época. Olha aqui. Por isso muitos dizem que ele ficou louco.
TC- Ele apanhou muito.
JV – Ele foi torturado?
TC – No Chile. Pela polícia do Pinochet.
JV – No Brasil não? Aqui ele não foi torturado?
TC – Aqui não, ele fugiu. Ou melhor, ele não fugiu, ele foi tirado
do país.
JV – Mas na verdade ele não foi exilado, ele se auto-exilou.
TC – mas se tivesse vindo para o Brasil na época sem essa
interferência da família ele seria fatalmente preso.
JV – E depois que ele retornou você teve contato com ele?
TC – Tive, eu o trouxe aqui na Record, ele almoçou com a gente
aqui.
JV – E o que ele fala em relação ao fato de não voltar a cantar no
Brasil?
TC – Ele não quer cantar, eu não sei, ele não canta em lugar
nenhum. Olha, eu acho assim, o Vandré é uma pessoa lúcida e um pouco teatral,
ele é uma pessoa honesta, mas faz um pouco de teatro. Eu acho que ele se
“endeusou”, ele perdeu o bonde da história. A música caminhou e ele parou. De
lá pra cá, a não ser Fabiana, eu não conheço mais nada dele.
JV - Ele fala que fizeram dele
um Che Guevara cantor.
TC – Aí é sofisma. Se ele não tem um lado político como ele se acha
um Che Guevara? Che Guevara era um homem político, ele fazia política... Eu o
aconselho a assistir Diário de um motociclista. O Vandré é um mito, e é uma
pessoa extremamente misteriosa, e ele é esquisito como a gente diz, mas, ele
além de ser uma pessoa arredia, ele é educado. Agora, ele não perdeu a ternura.
Do Vandré, eu lembro de uma
coisa: uma vez o Simonal tinha um programa na Record, e o Simonal estava
cantando Mustang cor de Sangue do Marcos Valle. Aí quando terminou o ensaio o
Vandré foi conversar com ele. Aí o Simonal falou assim: então Vandré, que marca
é o seu carro? E o Vandré respondeu: eu tenho um Volkswagen. Era 1965, 66 mais
ou menos nessa época. Pô, você é Geraldo
Vandré e tem um Volkswagen, vem falar pra mim que eu to cantando Mustang cor de
sangue, eu só tô cantando Mustang cor de Sangue, mas, eu não tenho um Mustang,
mas, eu tenho um carro melhor que um Volkswagen. E o Vandré ficou queimado,
porque quer queira ou não, ele é nacionalista. Aí o Vandré falou assim: “Eu
tenho um Volkswagen que é um carro nacional e me leva onde eu quero”. Mas tarde
ele comprou um Landau, que era um Galaxie branco. Foi nesse carro que o Borges
veio buscar as roupas dele. Eu entrei no apartamento do Vandré e levei as
roupas. E depois nunca mais vi, nem o Borges e nem o Vandré. O Vandré tinha de
se apresentar no sul do País. Já tinha uma ordem de prisão contra ele. Quem o
tirou do país foi um militar. Isso foi o Borges que falou pra mim. Ele fugiu
num jipe militar, ele saiu pela fronteira. Isso o Borges me contou. Eu falei:
Como é que vocês vão conseguir sair daqui? Esse carro do Vandré é visado. Então
ele disse: mas ele não vai nesse carro, esse carro é pra despistar, ele vai num
jipe militar, foi um capitão do exército que o ajudou a sair do País.
JV - E ninguém sabe quem é esse capitão? Provavelmente o mesmo que o
trouxe de volta?
TC – Não sei. A volta dele a gente sabe que ele voltou, mas essa de
73... Eu não sabia dessa história que saiu em jornais, eu não acompanhei,
talvez eu tenha perdido esse lance. Mas o Vandré voltou muito rapidamente e
voltou pro Chile.
JV – Mas se ele tinha sido expulso do Chile, ele voltou? Ele foi
expulso na época do Pinochet?
TC - Na época do Pinochet,
73 já era Pinochet.
JV – Então, foi em 73 justamente que diz aqui que ele voltou pro Brasil,
em agosto, em julho na verdade...
TC – Quando ele foi era o Allende...
JV – Isso mesmo...
TC – Salvador Allende. É interessante que quando houve a revolução
no Chile, que o Allende acabou sendo assassinado pela polícia do Pinochet,
Vandré estava lá. 73 foi a época do Pinochet, foi a época da tomada de poder do
Pinochet. Então ele deve ter voltado pra cá depois que foi pra França, depois
veio pra cá. Em 73 ele não voltou para o Brasil não, ele pode ter ido pra
Bolívia, pode ter voltado pra França, é
um estranho caminhar.
Eu não sou evangélica, mas, eu já
me questionei o que Jesus fez dos 16 aos 33 anos, onde ele andou esses anos
todos? Porque aos 33 anos ele reapareceu e reencontrou os apóstolos e fez o
caminhar. Tem um hiato aí. A mesma coisa o Vandré. Aquele período onde ele foi?
A gente tinha notícias de gente que via ele na França.
JV – Ele passou por vários países na Europa: Argélia, França....
TC – E aqui na América do Sul também. Ele deve ter ido pra
Venezuela, Caracas, ele foi pra esses lados aí. Nicarágua, ele pode ter ido pra
Nicarágua... Porque era onde estava acontecendo as revoluções. Agora, no Chile,
ele saiu por causa do Pinochet.
JV – Parece que ele saiu porque estava se apresentando sem licença em
programas de televisão e era necessário ter licença como cantor, por isso, ele foi proibido e teve que sair do País...
TC –Sabe o que acontece? Os grupos militares eles se comunicavam.
Pode ter certeza que aí foi o grupo militar do Brasil se comunicando com os
militares no Chile. Eles sabiam que ele estava lá, e aqui ele tinha ordem de
prisão, isso eu tenho certeza...
JV – Mas, se tinha uma ordem de prisão, então ele podia ter sido preso
lá e mandado de volta para o Brasil como preso político, ou não?
TC – Mas antes que isso acontecesse, ele já foi embora. Naquela
época muita gente ajudava. A gente se ajudava no meio. O Augusto Boal e o
Guarnieri também tinham ordem de prisão. Certa ocasião, a gente estava fazendo
uma leitura teatral na Aliança Francesa quando, eu passei pelo teatro de Arena não
encontrei nem o Guarnieri nem o Boal no Arena, aí fomos pra Aliança Francesa.
Isso em 68 ou 67, não me lembro bem a data. A gente estava na aliança Francesa e
de repente chegou o Dops, a polícia de repressão, procurando o Guarnieri e o
Boal. E eu bem mais nova na época, mas, já envolvida politicamente com as
coisas, com os meios, fiz de conta que não sabia de nada e fiquei na minha e
eles continuaram lá. Aí eu disse que tinha que ir embora, porque não podia
chegar tarde em casa.. E consegui saí do teatro Aliança Francesa porque eu
sabia que o Augusto Boal e o Guarnieri ia vir ali, então... Por que eu estou lhe contando isso? Porque a
gente prestava uma atenção danada, e a gente sempre estava avisando alguém que
podia avisar também. O quê que eu fiz? Saí do teatro, eu e o menino que era
sobrinho do Atílio Sampaio, que foi Secretário de Segurança, o Virgílio
Sampaio. Nós dois saímos e por coincidência encontramos o Guarnieri e o Boal
vindo para o Aliança Francesa. Bem antes da Aliança Francesa, a gente não sabia
se tinha gente por ali, a gente foi embora, se desarticulou, seguimos em direção
do Jaguareí e encontramos os dois: “Não vão pra lá porque o Dops tá lá
procurando vocês”. Desse dia também nunca mais eu vi o Boal e nem o Guarnieri
por muito tempo. O Guarnieri foi pra Itália e o Boal também. Saíram do País.
Por isso que eu digo, o Vandré devia ter alguém que avisava, porque a gente
avisava todo mundo, um passava para o outro. Então ele foi avisado pra não vim para
o País. Ele foi avisado no Chile. Ele fugiu.
JV – Muita gente fala que ele traiu a ideologia dele...
TC – Não ele não traiu...
JV – Alguns dizem que ele fez um acordo com os militares.
TC – Não é verdade, não é verdade! Não encostaram um dedo nele aqui.
JV – Ele diz que nunca os militares encostaram a mão nele.
TC - Ninguém encostou um dedo nele aqui no Brasil. Ele apanhou no
Chile! Ele apanhou na França!
JV – França também?
TC – Na França também na época dos estudantes. Ele não apanhou da
polícia. Naquele borbulho de estudante ele deve ter levado uma pedrada... Mas,
tortura mesmo foi no Chile! Tem até uma foto dele de braços abertos dizendo que
estava fazendo a imitação de Cristo. Ele apanhou no Chile! Porque ele tinha uma
mulher chilena, ele viveu com uma chilena lá.
JV – E essa história que ele diz que nunca recebeu direitos autorais de
“caminhando”?
TC – Se ele diz isso é porque não recebeu mesmo.
JV – Mas então, se ele não recebeu alguém está recebendo no lugar dele?
TC – Pode ser.
JV – Mas o Ecad obriga. Não?
TC – Mas rouba! O Ecad rouba! Tinha que ter uma CPI em cima do
Ecad, porque eu me lembro daquele cantor Paulo Lima que cantava “E agora José”,
ele não recebeu um tostão dessa música, porque o autor dessa música era um, era... Como é que era o
nome dele? Agora eu não vou lembrar... Mas o Paulo Lima não recebeu os direitos
autorais. Roberto Carlos não recebe os direitos autorais dele direito!
JV – A é...?
TC – É... a Ecad mete a mão.
JV -No caso do Vandré, foram
lançadas várias coletâneas dele sem autorização, não´é?
TC – Mas se ele parar de ficar divagando, ele entra com advogado e
recebe todos os direitos dele.
JV – Pois é, mas, pelo que parece ele não quer, ele não se importa com
isso...
TC – Ele recebeu uma indenização de reintegração da Sunab que não
foi pouco dinheiro não, ele recebeu um bom dinheiro da Sunab, ele foi
reintegrada e recebeu todos os atrasados. Deu pra levantar a vidinha dele. Ele
é uma pessoa de gestos e hábitos muito simples, então pra ele o dinheiro que
ele tem dá. Agora eu não sei como é que ele vive, de que dinheiro? Porque ele
não trabalha...
JV – Mas ele tem a aposentaria.
TC – A aposentadoria da Sunab, só...só isso. E o apartamento que é
dele.
JV – Uma coisa que eu não consigo entender é essa recusa dele em cantar,
porque a vida toda dele sempre foi em prol da música e de repente na hora que
ele atinge o auge...
TC – De repente ele vai acordar, uma hora ele acorda... Agora aqui
no Brasil ninguém encostou a mão nele. Ele sofreu tortura fora do país. Eu acho
que ele não gosta de falar desse assunto porque deve ter sido uma fase muito
amarga pra ele. Ele quis botar uma pedra.
JV – Ele diz que a maior revolta dele não é contra os militares é
contra a sociedade civil que condenou ele sem um julgamento, fizeram dele um
criminoso...
TC – É uma pena. Mas uma hora ele vai acabar cantando, agora, pra
você conseguir as coisas você tem que compilar, como você ta fazendo aqui. Daqui,
dali, você vai conseguir mais histórias, ainda que algumas coisas possam estar
incorretas, mais de 50% do que você tem aí de coisas, você pode tirar 25% que
você vai fazer uma boa tese, mais do que conversar com ele. Porque quando a
pessoa faz essa matéria já esteve perto
dele, porque repórter encosta e vai tirando dele o que puder tirar, não precisa
dizer que é jornalista e vai entrevistar.
Eu não sei em que mais eu posso
te servir, eu só posso te dizer assim, das poucas vezes que a gente esteve
juntos em época de festivais, ele era uma pessoa que falava muito pouco sobre
ele, ele não falava sobre ele nem sobre a família, ele não chegou ter uma
família, ele casou com a Nilce, ficou casado com ela um bom tempo, depois não
sei por qual razão se separou.
JV – Em 68 eles já estavam separados?
TC – Já. Mas ele foi muito apaixonado por essa moça. Ele era
“amarradão” nela.
JV – O Alberto Helena falou que ele sempre esteve muito bem acompanhado
de mulheres bonitas.
TC- É verdade. Ele era uma pessoa atraente e o fato dele ser o
Geraldo Vandré, ele era diferente de qualquer outro cantor, de qualquer outro
compositor. Pela figura dele. Ele era um mito. Ele tem um semblante diferente.
JV – Uma coisa que eu admiro nele é que ele não buca a fama, o reconhecimento,
como faz todos os artistas. Porque geralmente o artista se vangloria. E ele
não, ao contrário dos outros que procuram ser assediados, ele repudia o
assédio.
TC – Ele é reservado.
JV – Eu acho muito bonito isso nele, porque se fosse outra pessoa iria
se aproveitar da situação, justamente pra ganhar dinheiro.
TC – lógico. E ele não, ele é discreto, agora é profundamente
arredio. Você tem que aproveitar o que ele fala pra você, você tem que saber
jogar pra você tirar alguma coisa dele. Você não consegue tirar nada dele se
você fizer uma pergunta direta.
Uma
vez ele estava sentado lá na padaria e, esse jeito dele, acho que alguém encheu
o saco dele lá, e ele pegou e falou “não enche meu saco”. O cara bateu bateu
nele, chutou e ele precisou ser socorrido. Ele ligou pra mim “Telé me leva no
hospital o cara chutou meu saco!” (risos) Como assim Vandré? “ Pó, o cara senta
do meu lado e fica enchendo meu saco! E ainda veio bater em mim!” Na época ele
estava com 63 anos mais ou menos, faz tempo, uns 9 anos. Foi em 95. Ele veio aqui na Record em 96. Ele
era muito amigo do Lafond que era diretor na época.