sábado, 16 de abril de 2011

Entrevista com Sergio Ricardo (Cantor, Compositor e Cineasta)





Jeane Vidal – Como era a sua relação com Geraldo Vandré?


Sérgio Ricardo - Eu já conhecia o Geraldo antes (1967) muito antes de Disparada. Ele trabalhava comigo, a gente fazia o mesmo programa de rádio do Valdemar Henrique, um compositor famoso do passado... O Valdemar Henrique tinha um programa de rádio e ele fazia questão de apresentar os novos, na época. E os novos eram Luizinho Eça, Lincoln, que acabou virando pianista de grupo e tal , eu o Vandré e mais algumas pessoas. O ano disso devia ser 50 e tantos, 58, 59.... antes da Bossa Nova, antes de tudo isso...Foi bem no comecinho, a gente era garoto... eu nasci em 32... em 58 eu tinha 16, 17 anos, não então não é 58, foi 59, 60...


JV – Oficialmente ele começou cantar mesmo em 1960, quando gravou o 1° LP...


SR - Então, antes disso um pouco, devia ser o ano anterior ele tinha feito esse trabalho... Bom e a partir daí a gente ficou assim... mas não era bem amigo, a gente nunca foi íntimo, entendeu? Mas a gente se conhecia, a gente se respeitava, fazia cada qual o seu trabalho. Eu era pianista e cantava, já tava cantando, aí comecei a gravar, eu comecei a gravar primeiro que ele, mas, não foi ainda com a bossa nova. Ele gravou que disco primeiro?


JV – O título era Geraldo Vandré e ele gravou aquela música “Fica mal com Deus.” Foi a música que foi lançada nesse disco...


SR – Fica mal com Deus quem não sabe amar... eu gravei essa música no meu...


JV – a gravadora era a Áudio-Fidelity..


SR – Que fez a gravação dele?


JV – Isso, que fez a gravação dele...


SR – Exatamente, é provável... e eu sei que na época a gente começou a se separar, porque esse programa guilhotinava um pouco esse grupo, mas depois cada um foi pro seu lado. Esse Luizinho Eça virou um sucesso, ficou como pianista de boate e tal, acompanhava os grandes cantores e tal... Eu partir para fazer um outro trabalho como compositor. E o Vandré cantava aqui e ali e tal... E eu só vim saber dele depois, muito mais tarde, com a Disparada.


JV – Mas vocês fizeram alguns projetos no cinema juntos, não foi?


SR - que eu me lembre... é bom você me lembrar isso, porque eu não me lembro....


JV – Na época foi lançado o filme “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, a peça “Calabouço”.... E ele fez a trilha sonora de alguns filmes do Roberto Santos.


SR – É, ele fazia de uns filmes e eu fazia de outros. Eu comecei fazendo do “Deus e o Diabo na Terra do Sol” logo em seguida ele fez pra o Matraga.


JV – Não eram juntos então? Eram projetos separados?


SR – cada qual tinha um trabalho separado do outro, mas tínhamos uma identificação pela coisa do CPC, eu não sei nem se ele fez parte do CPC em algum lugar...


JV – Teve uma época sim, que ele fez parte, inclusive é citado o nome de vocês dois no CPC...


SR – No Rio?


JV – Não, aqui em São Paulo.


SR – então já foi depois do CPC do Rio...


JV – Só que ele não permaneceu muito tempo porque ficou irritado, achava muito panfletário e acabou saindo.


SR – É verdade. Eu também. Ele teve o mesmo problema que eu. E aí cada qual saia fazendo suas coisas com muita semelhança, né? Com muita, muita... era uma coisa meio paralela...


JV – Vocês tinham uma afinidade?


SR – é, tinha uma afinidade por causa da posição política de cada um, e acabamos juntos em várias coisas. Em Sofia, na Bulgária. Eu fui convidado oficialmente pelo comitê daqui que tava decidindo quem ia e quem não ia. E ele, ele conseguiu uma permissão pra ir também ao festival de juventude. Foi por conta própria, era isso que eu queria dizer. Parece que foi por conta própria não foi um convite especial. E lá nós nos encontramos ali, então a gente já recomeçou uma relação, inclusive eu queria usar o grupo que ele tinha levado, que era o Trio Marayá e ele não me permitiu usar o Trio porque eles já estavam um pouco meio confusos.


JV – Eles brigaram pouco tempo depois.


SR – É porque o Trio Marayá queria me acompanhar na música que eu fiz pro Guevara...


JV – Você e o Vandré fizeram suas músicas com o mesmo tema, não é? As duas tinham o mesmo título “Che Guevara” não era isso?


SR – Pois é, eu não me lembro bem da música dele, sinceramente...


JV – A música dele chamava-se “Che”. Eu li uma entrevista dele da época - quando ele voltou desse festival - nela ele comenta que vocês eram os únicos brasileiros que estavam lá e que suas músicas tinham o mesmo tema.


SR – Eu sei que não houve premiação propriamente. Andaram dizendo aí que eu tinha ganhado prêmio de letra e ele tinha ganhado prêmio de... Parece que ele ganhou sim prêmio de intérprete, o melhor intérprete.


JV - Ele veio sim com um troféu, pelo menos é o que diz os jornais da época.


SR – Me atribuíram um prêmio lá de.. Mas, não tinha prêmio, eu fui considerado a melhor letra, mas, não tinha prêmio de melhor letra. Mas enfim... E ali a gente fez uma relação também que não foi muito positiva porque a gente acabou se desentendendo um pouco, porque ele já estava um pouco irracional com as coisas, um pouco nervoso e... Ficou um pouco alijado, digamos, da delegação. Mas fez uma apresentação bela, fez uma coisa bonita, ele e o Trio Marayá fizeram uma coisa muito bonita. Na volta a gente se reencontrou aqui, eu não sei se foi antes disso ou depois disso, já teria passado a Bossa Nova, a Bossa Nova já tinha até acabado com o seu auge e eu já estava na música de protesto com ele. Os dois na verdade, os mais fortes nessa linha de trabalho. Ele de um lado e eu de outro, e uma vez fizemos um show juntos, isso eu não sei se você sabe. No Cave, na boate Cave.


JV – Essa boate era aonde, aqui em São Paulo?


SR – Aqui em São Paulo. Uma boate até que ocorreu uma coisa muito curiosa que eu tinha vindo recentemente da Europa, isso foi depois de 64, foi perto do festival, foi depois do festival da “Banda” e a Disparada, isso. Eu tinha voltado da Europa e íamos fazer, o Chico de Assis parece aqui, que produziu um show pra gente fazer no Cave, tinha até Hermeto Paschoal no meio da história e tudo. Nessa ocasião durante os ensaios eu pedi a ele o carro emprestado pra ir buscar a minha mulher no aeroporto que tinha acabado de chegar do Rio. Ele me emprestou o carro e na volta o guarda me parou pra ver esse negócio de documento, essas coisas e acabou rebocando o carro. Aí quando eu disse a ele: olha rapaz aconteceu uma coisa, e falei pra ele e ele disse: mas que malandro é você Sérgio, porque não deu uma grana pro guarda? Aí eu fiquei... eu não sabia onde enfiar a cara. Porque eu na verdade estava na Itália e lá se você tentar subornar um guarda você é preso. Eu nem pensei nisso, tirei isso da minha cabeça. Quando eu voltei pintou esse problema e eu em vez de oferecer um dinheiro pro guarda, fiquei discutindo com o guarda, tentando convencer o cara e o cara esperando que eu oferecesse dinheiro né, Como eu não ofereci, ele disse: é meu filho o carro vai ser que rebocado. Aí poxa vida, se não fosse o pai do Vandré que tinha lá não sei que tipo de relação tinha com o poder, aí então conseguiu tirar o carro dele. Mas essa foi a coisa curiosa. Nós fizemos um show juntos, essa foi talvez a única vez que a gente se apresentou fazendo uma coisa juntos. O da Bulgária era um festival cada qual fazia sua música. Nesse mesmo ano acabamos fazendo o festival lá da Record, o festival do “Beto bom de Bola” que eles chamam. Aí ele fez uma música sobre chofer de caminhão...


JV – “Ventania”...


SR – Uma música bonita. Mas acho que não chegou a classificação final...


JV – Não.


SR – Como eu também. Ficamos de fora desse festival.

Eu acho que o Vandré tem uma importância pra mim muito grande. Ele era uma referência no sentido de saber que eu não estava sozinho fazendo o tipo de trabalho que eu fazia na época... nos anos 60. De um lado eu fazendo meu trabalho e ele fazendo do outro lado, dali a pouco aparece o Gonzaguinha, Trio Marayá, Trio não sei o quê, o Quarteto Novo e tal, a Marília Medalha, a própria Nara começou a cantar música de protesto enfim que é aquele pessoal que fazia... E ele e eu éramos as pessoas que tínhamos iniciado praticamente esse movimento dentro da música popular e, volta e meia, nos encontrávamos em portas de fábricas, em shows de estudantes, é.. Isso nós fizemos muito, coincidia nossa presença em vários desses lugares, embora não tivéssemos uma participação é vamos dizer assim de patota, nós nunca fizemos uma patota de ser ele e eu fazendo a mesma coisa. Não, cada um fazia o que vinha a cabeça, mas, ambos com uma identificação do trabalho do outro. E éramos chamados pelos estudantes, pelos trabalhadores, pelos camponeses e tal, nos trabalhos que eles faziam. A própria classe média tinha muitas instituições, sindicatos, eu me lembro de ter ido até Brasília pra um sindicato dos alfaiates, uma coisa estranhíssima... Chamavam-me pra ir nessas coisas e geralmente eram shows assim, quase que gratuitos. Alguns mesmo a gente não recebia nada, era pura contribuição mesmo, ideológica né. E fora disso eu gravei uma música dele que é “Fica mal com Deus” e... Ele cantava uma musica minha que eu não me lembro mais qual é, acho que é “o nosso olhar” uma coisa assim. A gente se respeitava muito e nosso trabalho se coincidiam muito, a gente estava nos mesmos festivais, nas mesmas confusões aí com o Dops com essas coisas. Eu não sei nem se ele teria sido chamado pra dar alguma declaração no Dops.


JV – O que eu li é que foi publicado em jornal, que o Coronel Òtavio Costa pedia a prisão dele.


SR – mas isso depois...


JV – depois de “Caminhando”.


SR – depois de Caminhando a barra pesou pra ele. Eu acho que se ele desse muita sopa pelo Brasil ele acabaria ou preso ou exterminado.


JV – Você chegou a ser chamado pelo Dops?


SR - Várias vezes.


JV – Mas você nunca saiu do País?


SR – não, eu quando saí, saí por conta própria. Eu me auto exilava às vezes. Logo depois do golpe eu fui pra Europa e só voltei pra esse festival de 67. Pensando que já estivesse acabado. Imagina você, que ingenuidade pensar que dois anos ou três anos...


JV – Estava só começando...


SR – No ano seguinte a minha volta pintou o AI-5 e aí foi pior. Segundo o Thiago de Melo eu fui mais sacrificado de todos, porque o pessoal saiu... Porque você se exilar é ótimo, porque, você entra pra um país e tem todo um campo pra trabalho. No meu caso não, desde a ditadura que eu venho comendo o pão que o diabo amassou né. Porque trabalhar no seu próprio país estando contra o regime é uma coisa complicada. Então minha situação foi que eu conseguia sobreviver com os shows de estudantes de norte a sul do país pelas universidades que me chamavam. O Vandré não, porque ele saiu andou fazendo as suas... Na Europa...


JV – Ele ficou 4 anos e meio exilado. Ele foi para o Chile, depois foi para a Europa...


SR – Mas fez coisas não é? Ganhou Festivais lá fora, parece, ou ganhou ou participou de festivais...


JV – Eu não me lembro, vou verificar... (Em 1972, ganhou no Peru um festival com a música “Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve”, parceria com Manduka , filho do poeta Thiago de Mello)


SR – é bom verificar, porque isso aí eu soube, eu recebi essa informação, eu achei tão gostoso isso, fiquei oh que bom que ele tenha ganhado, tava preocupado, tinha saído notícias... Bom mais enfim posso estar enganado também. Pode ter sido um boato e não ter sido verdade. Mas andou fazendo coisas que foram respeitadas lá fora. Sei também de coisas que não agradaram em alguns países.


JV – Teve uma época que ele precisou sair do Chile porque estava se apresentando em programas de TV sem licença de músico e parece que lá é necessário uma licença para se apresentar, e ele não tinha. Foi quando ele foi pra Europa.


SR – Pois é. Essa é a minha contribuição pra tua matéria.


JV – Mas vocês também fizeram um programa juntos na TV Excelsior não foi? O “ensaio geral”?


SR – a gente se apresentava, mas não era junto, cada qual fazia o seu trabalho. Mas nos cruzávamos em várias coisas. No ensaio geral... Eu nunca fui ao Fino da Bossa, não sei se ele chegou a ir. Porque eu tinha, sem saber, tinha um sujeito que me detestava no fino da Bossa, e eu ficava achando que era a Elis Regina que tinha alguma coisa contra mim e não era. Era esse cara que não programava... E ela deve ter pensado que eu esnobava o programa. Ficou essa coisa, só mais tarde é que a gente veio a se falar e virar amigos e tal. Mas nesse mundo aí, nesse Show Busness tem muita confusão, muito mal entendido, muita injustiça.


JV – No Livro “ A Era dos Festivais” do Zuza (Homem de Mello), ele comenta que naquele episódio do festival do “Beto bom de bola” que a Elis e o Vandré foram os primeiros que solidarizaram com você, é verdade?


SR – Exatamente. A Elis foi a primeira a me dar um abraço. Acabei de escrever isso pra uma matéria no Globo que vai saí ainda. Ta fazendo agora 40 anos daquele festival e parece que eles vão fazer aí matérias. Pois é, nós fazíamos isso, estávamos em todas as coisas. Tinha reuniões, por exemplo, de estudantes, de Assembléias, de intelectuais que ele participava e eu também, e a gente estava sempre juntos nessas coisas. Nessas horas foi bonita a nossa relação, e ela continua sendo bonita até hoje, porque o dia que eu encontro com ele, a gente se abraça e... Porque a gente só se encontrava na hora da pesada, mas quando tinha aquela coisa pesada a gente tava junto, a gente se encontrava... Eram passeatas e coisas assim dessa natureza. Reivindicações de estudantes... Eu não sei se ele participava tanto quanto eu porque ele tinha suas indiosincrasias com algumas coisas e eu não tinha nada não, meu problema não era partido era a causa né, então os partidos me chamavam muito pra se filiar mas eu não quis me filiar a nenhum, como ele também não deve ter se filiado a nenhum também. E talvez aquela declaração dele tenha sido mal interpretada porque eu também não quis saber de partido nenhum só bem mais tarde é que eu virei sócio do PT. Mas, porque achava que finalmente houvesse aparecido um partido que viesse a condizer com a nossa luta. Mas... E acho que ele também.. Ou não, né? Não sei... Acho que ele nunca entrou pro PT.


JV – Eu fiz uma entrevista com ele recentemente. Nessa entrevista eu questiono em relação aquela declaração que ele deu à Rede Globo, e ele diz que na verdade houve uma montagem..


SR – Não é de se duvidar. Agora eu não entendo porque ele não canta. Porque não tem que vingar do brasileiro, porque não é por aí, eu acho que isso ta mesmo no desvio.


JV – Quando ele estava no Chile os pais dele foram buscá-lo porque ele estava sofrendo de depressão, foi quando então eles negociaram a volta dele para o Brasil. Ele estava tendo crises fortes e aí quando ele voltou e aconteceu tudo aquilo, ele não quis mais cantar no Brasil. Ele acha que o povo fez dele uma vítima do regime, quando não era nada daquilo. De todos os artistas que foram para o exílio ele foi o único que ao retornar não retomou sua carreira artística. Os outros continuam aí, Chico Buarque, Caetano...


SR – Agora ele, no fundo no fundo ele tem certa razão, porque a gente ficou meio estigmatizado, eu e ele, porque é o seguinte: porque o grande problema é que quando pintou a ditadura e que veio uma nova... Os festivais revelaram os artistas, nós já éramos os artistas que fazíamos a coisa de protesto, a coisa política... E os outros que vieram começaram também a querer fazer, entrar na nossa, não porque queriam entrar na nossa coisa, mas queriam fazer aquilo que a gente estava fazendo, que era uma música de contribuição, de reivindicação.


JV – E até porque era o que chamava o público não é?


SR – Exatamente. Então, logo que veio o AI-5, eles começaram a se organizar de forma empresarial esses artistas e continuaram... Não é nada condenatório isso, não estou falando isso como uma coisa de condenar, é que eu o Vandré e alguns outros, o Théo de Barros, o próprio Hermeto Paschoal e outras pessoas que estavam na nossa leva, ficaram inteiramente marginalizados porque nós continuamos a ser aqueles românticos, entendeu? Essa é a grande diferença que fez com que a gente virasse dinossauros, entendeu? E os novos permanecem até hoje, você vê que é Chico Buarque, que é Caetano Veloso, Gilberto Gil, não sei o quê... O Chico manteve uma bandeira, segurou a bandeira. Os outros partiram para Tropicálias, partiram pra coisas e tal, meio nebulosas em termos ideológicos e na verdade a coisa ficou mais na mão do Chico. E eu fazendo as coisas como o Chico fazia também, de protesto não sei o quê, continuei fazendo, mas só que eu não estava embandeirado naquelas organizações de... a coisa empresarial eu num... Como o Vandré teria sido também. Eu e ele sempre fomos meio a palavra certa é meio “porra-loucas”, no sentido de organização da própria carreira. Conclusão: viramos dinossauros. Se ele tivesse insistido teria ficado na minha posição, ou seja, no ostracismo. Primeiro teria feito um sucesso numa reaparição, mas, logo em seguida teria sido esmagado. Teria difícil pra ele fazer, chegar a fazer um espetáculo, seria difícil, ele iria encontrar muita resistência. Então... Mas isso talvez nem tenha passado pela cabeça dele, ao contrário, ele poderia até achar individualmente que se voltasse a fazer ia ser um sucesso extraordinário. Seria, num primeiro momento, mas se ele não viesse a se organizar como os outros empresarialmente, que eu acho que dificilmente ele aceitaria... Rebelde como eu também... então ele acabaria como eu estou, numa situação que luto, luto, luto...e não acontece. Entendeu? E não sou superado, porque se fosse uma questão de ter ficado datado o meu trabalho e ter ficado uma coisa... Não, eu tô fazendo coisas que... Chico Buarque outro dia esteve em minha casa querendo música pra botar letra. Entendeu? Chegou lá achou uma música maravilhosa, levou, ele achou maravilhosa, levou a música pra fazer letra, quer dizer: não estamos superados, porque o que veio depois da gente em termos de músicas, não nos colocou como pessoas superadas, como artistas superados.


JV – O interesse comercial hoje prevalece, não é?


SR – Prevalece. E cada vez vai piorando, no sentido de qualidade. A ponto de vender o que anda por aí. É uma bagunça, a música virou um objeto descartável insuportável. De alguma maneira com um sucesso lá em cima. Mas, enfim, talvez até tenha-se poupado, sem querer ele poupou a vida dele, por uma determinação de um sofrimento que ele viria a ter...


JV – Eu perguntei a ele em que momento ele decidiu que não cantaria mais no Brasil e por que. Ele disse que em nenhum momento ele decidiu que não cantaria mais no Brasil, que ele continua fazendo música, mas, não comercialmente, e que ele não tem interesse em gravar comercialmente, esse não é o seu objetivo.


SR - Então, então nesse caso... Mas ele teria que ter um objetivo qualquer de fazer pelo menos algo para o sustento dele...


JV – Ele era fiscal da Sunab, se aposentou como fiscal da Sunab e deve ter a aposentadoria dele. Acredito que ele também receba direitos autorais.


SR – muito pouco se comparar com as minhas... é uma coisa muito... Bom, ele deve ser protegido de alguma forma ou de outra, deve ter alguma forma que faz com que ele tenha o do sustento pelo menos. Eu, nem isso tenho, mas, tenho que me virar... Agora eu acho uma pena que ele não esteja na parada. O que acontece é o seguinte, é que a gente tendo sido calado pela censura, proibidos de tocar no rádio, porque a nossa música foi proibida de tocar no rádio, tanto a minha com a dele... Jogaram pra cima da gente um destino muito trágico de um esquecimento.


JV – A revolta do Vandré é que ele acha que foi condenado pela própria sociedade.


SR – Não é bem isso, ele tá errado nisso, a sociedade reclama pela volta dele, mas é que a voz do povo não tem vez, quer dizer, você não ouve a voz do povo, você entrega pro provo a voz que ele tem que repetir. Então, e o povo, o nosso povo realmente ele é, ele é... a palavra certa.. é...submisso. Ele é submisso por natureza, e recebe as informações e as repete.


JV – Como verdade.


SR – Como verdade... Então ele passa a repetiu as verdades que lhe impõem a mídia, o sistema. Mas tem suas preferências. O povo gosta do Vandré, como gosta do meu trabalho, mas é difícil eles receberem porque eles não têm como receber esse trabalho, então eles consomem outras coisas. Eu acho que traído pela sociedade é um pouco exagerado da parte dele. Porque o que aconteceu é que a música brasileira vinha da Bossa Nova para a música de protesto como a gente chamava, como eles chamavam a música política, a música engajada, e depois partiu pra... Como foi proibida, surgiu a Tropicália. Mas os historiadores, os críticos e tal, eles pulam esse pedaço, eles saem da Bossa Nova para tropicália como movimento, mas na verdade o grande movimento foi o nosso, foi o verdadeiro movimento, porque era uma coisa que vinha de baixo pra cima. Isso é uma coisa ruim, entendeu? Porque a gente foi colocado à margem, não só pelo próprio sistema, que era o objetivo do sistema era nos colocar à margem, mas como a sociedade no sentido da crítica, no sentido do reconhecimento histórico, dessa coisa, não na memória do povo, porque o povo tem memória do nosso trabalho até hoje, inclusive. Eu saio nas ruas e as pessoas me conhecem ainda, o Vandré sai às ruas e todo mundo diz: lá vai o Vandré, poxa que bom se ele pudesse ter mais... Se o Vandré estivesse, eu não sei se ele está, mas eu estou ligado nas coisas do computador, por exemplo, e recebo e-mails...


JV – Ele não... Ele não quer saber.


SR – Ele não deve gostar disso. Pois é, eu recebo e-mails com uma reclamação incrível da minha ausência nessa história, e muita gente perguntando sobre o Vandré, mas, não há resposta pra isso. Mas a análise não é bem a do esquecimento da sociedade, não é bem isso. É o esquecimento dos manipuladores da informação. Isso que é a coisa, que um dia ou outro, já diz até o próprio Chico Buarque outro dia em minha casa... Sabe o seu trabalho... Se você disser o meu trabalho estará por extensão falando do trabalho Vandré, Théo de Barros... Esse trabalho um dia será desenterrada e será ouvido por todo mundo, porque tem valor, tem valor não só histórico, como arqueológico mesmo, de uma época, como é bonito, como não foi superado, tem várias coisas aí que ia ser consideráveis. São obras importantes, como se descobrissem de repente os clássicos entendeu? Porque são clássicas essas nossas músicas, então não há porque condenar a sociedade. É tudo filha.