segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Assis Angelo (Jornalista e Estudioso da Cultura Popular)






Assis Angelo - Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o paraibano que tornou notório pelo pseudônimo de Vandré, eu o conheci no ano de 1978, eu não recordo exatamente o mês, mas foi em setembro desse mesmo ano que eu publiquei uma entrevista dele. Foi a primeira entrevista dele formal a um representante da chamada grande imprensa. Eu era repórter da Folha de S.Paulo. E essa entrevista com Geraldo Vandré eu publiquei em setembro de 1978, no suplemento Folhetim, portanto a Folha de S.Paulo. Era um suplemento do jornal encartado aos domingos.

Jeane Vidal -A partir daí que  você começou a ter um contato com ele? Surgiu uma amizade? Como foi?

AA – Sim, o Vandré ele esteve exilado, eu estive na minha terra. Eu vim pra São Paulo em 76, e ele voltou ao Brasil em 73, em 78 nós mantivemos contatos pessoais. Foi quando resultaram esses contatos na entrevista que eu publiquei na Folha de S. Paulo.

JV – Antes de 78, você acompanhou a história dele?

AA – Eu acompanhei o Vandré como muita gente, pela televisão, em João Pessoa, eu acompanhei, por exemplo, “Caminhando”, a disputa de “Caminhando” com “Sabiá” pela TV em preto em branco. Eu acho que era preto e branco, não tenho muita certeza, mas quero crer que sim. E se não era preto e branco era um colorido esquisito, porque o colorido... Não, já era colorido porque na copa de 70, né... Eu assisti... Mas a gente ta falando de 68,  né?

JV – 68 foi o festival, mas, ele retornou ao Brasil em 73.

AA – É, mas aí a partir do momento que ele volta para o Brasil, ele já não volta como um artista de palco, ele volta e fica como cidadão. Cidadão que escolhe não pagar imposto, viver a margem da sociedade, questionando as leis do país, a democracia incipiente, a democracia ainda menina, digamos ainda assim que é a nossa democracia, uma democracia que valoriza mais o banal e não o valor real das coisas e das pessoas. Então o Geraldo Vandré quando ele volta do exílio espontâneo, ele já não participa da vida artística brasileira.

JV – Por qual motivo, em sua opinião, ele abriu mão da vida artística?

AA - Olhe eu sou jornalista profissional, eu acompanho as coisas e escrevo sobre fatos. Quando você me fala o que eu acho eu fico de mãos atadas e, incapaz de expressar uma opinião, porque não há um fato concreto que me leve a analisar o comportamento de Geraldo Vandré ou de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. Tanto o cidadão Pedrosa quanto o artista Vandré são uma incógnita pra mim porque a pergunta que você me faz me induz a fazer uma análise e eu não sou médico, eu não sou psiquiatra, tá certo, eu não saberia te falar não. Eu falo de fato real.

JV – E diante dos fatos de que forma você vê isso tudo?

AA – Eu acho que o que aconteceu com ele... Eu estou no campo do “achômetro”, eu não posso falar. O “achometro” é um paralelo, é um instrumento de paralelismo que não leva a nada. Acho, eu não acho, não tenho como achar. Eu tenho que falar o seguinte: ele voltou em 1973 aqui está e aqui ele não se manifesta no palco. Porque ele faz isso eu não sei, eu não sei. Ele é um advogado. Ele como profissional de direito é um cidadão que analisa os fatos do cotidiano também. Agora, o que o levou a decidir a não subir mais no palco eu não saberia, eu não saberia. Eu acho que eu não tenho dados muito consistentes para analisar essa decisão, que é uma decisão pessoal. Por mais que eu diga eu acho isso, eu acho aquilo, eu vou ficar no campo do “achômetro”, da possibilidade, e que não leva a nada. Tudo que eu disser pode ser irreal, não tem sustentação. Essa é uma pergunta que com toda certeza caberia a ele responder. Porque você não canta mais no Brasil? Porque você não sobe mais a um palco? Porque você não canta? Eu acho que são perguntas que ele poderia responder com propriedade, naturalmente.

JV  - Eu fiz essa pergunta a ele, e o que ele respondeu é que existe a hora certa, e que essa hora ainda não chegou, no momento certo isso vai ocorrer.

AA - Quem sabe faz a hora não espera acontecer não é isso? É uma frase, é um verso dele que só ele saberá desvendá-lo. Então, tomara nós todos, que ele encontre a hora, faça a hora de nos presentear com a sua presença no palco para cantar a vida que ele aprendeu a viver e a interpretar.

JV – Ele tem uma posição ideológica muito radical não é? Uma coisa que eu admiro nele é justamente o fato dele não se vender em troca da fama. Ele tem uma posição, uma visão e defende com unhas e dentes.

AA – O Geraldo Pedrosa de Araújo Dias é um Brasileiro, é um cidadão. O Geraldo Vandré é um personagem. O Geraldo Pedrosa de Araújo Dias é dono do Geraldo Vandré. Então o que faz o Pedrosa segurar o Vandré só o Pedrosa poderá responder inclusive como advogado. O que ele já disse é que não vive num país com estado de direito, um estado de direito. Quer dizer, falta isso, e ele deve ter suas razões, muito profundas, né? Se, se analisar profundamente essa posição vai se achar a causa, porque o Geraldo é um advogado, é um homem de leis, que estuda as leis, então quando ele diz que o Brasil não vive um estado de direito ele deve ter lá suas razões e qualquer cidadão com um bom senso pode endossar a sua visão. Agora, evidentemente, um artista do tamanho do Geraldo Vandré não subir ao palco desde  1968, porque ele deixou o Brasil no dia 13 de Dezembro de 1968, quando ele volta ele não canta, quer dizer, ele não canta desde 1968 porque ele não canta. Então, se fosse pra resumir tudo, eu diria que ele estaria fazendo uma greve. É um exilado dentro do Brasil. Eu vejo o personagem Vandré assim: um ser inventado ou não, exilado no próprio país. É como se ele estivesse protestando contra os desmandos que há no país. Eu vejo dessa forma.

JV - Quando ele fala em estado direito o que ele quer dizer exatamente?

AA – É o estado democrático, né? quer dizer, ele pode dizer: olha eu estou vivendo num estado de direto, eu posso falar,  gritar, berrar, eu posso fazer barulho até 10 horas da noite, eu voto, eu tenho direito de votar, eu pago imposto. Mas se você for olhar isso, quantos impostos a gente paga? O brasileiro paga mais de 50 impostos. Notícia que saiu agora pouco na imprensa dá conta de que o brasileiro pagou 33% arcou com 33% de tudo quanto o Brasil viu, ou seja, de impostos. Quer dizer, o brasileiro trabalha hoje mais de 3 meses e meio por ano para o estado que tem muitas garras e faz o quê com esse dinheiro? Aí nós vemos todos os dias os desmandos políticos em todas as casas: vereador, assembléia, câmara, assembléia, congresso, senado e a própria presidência. Então há um acobertamento, há um roubo encoberto o tempo todo e o povo sofrendo, o desemprego aumentando, e o analfabetismo também não sai do lugar, ou seja, estamos regredindo a cada tempo. Então, que estado de direito é esse? O direito de quem está lá mandando. E o cidadão não tem direito? Ele paga imposto, ele faz tudo. Agora o cidadão que a gente escolhe pra nos representar lá, ele tem direito de roubar e fazer tudo. É o “autoridade de plantão”, é o homem escolhido pra nos representar. Então esse é um questionamento plenamente compreensivo, tá certo? Esse que o Geraldo Pedrosa de Araújo faz. E se ele segura  e prende o Vandré é porque ele tem a intenção de proteger esse personagem.

JV – Tem ainda toda essa questão dele ter se tornado um mito, não é?

AA – É questionar. O que é um mito pra você?

JV – É alguém que se transformou  num “deus”. Alguém que você idealiza e de repente não é nem o que ele é de fato, mas o que se criou em torno dele.

AA – Então tem tudo a ver com a comunicação de massa. Isso tem tudo a ver com a imprensa, jornalismo, minha profissão a tua que você ta abraçando agora, quer dizer, isso é uma, o mito... Primeiro que o mito ele não existe, ele não é fabricado em 10, 20, 30, 50 anos, então essa sua colocação ela não está muito clara. O mito ele é milenar, ele é uma coisa muito antiga, uma legenda. Um ídolo sim, um fenômeno tudo bem, agora um mito é a forma mais banal de a gente endeusar quem estar a nossa volta. Porque um mito não se faz em cem anos. É que nem a cultura popular: nada é popular por menor de um século. Uma piada, uma graça, só entra no embornal da cultura popular, do panteão da cultura popular com pelo menos cem anos. Tá certo? É evidente que o Vandré é resultado das mídias, é resultado de um tempo, né? Agora, a resistência que ele tem tido contra a prática do viver cotidiano politicamente e economicamente falando do país, evidentemente, que ele passa a ser visto como um símbolo. Até ser um mito realmente é a gente banalizar a palavra. De qualquer forma é compreensível isso, quer dizer, é um ser distante, é um ser aparentemente inatingível, e o que é inatingível é um mito. Mas não se esqueça que um mito nem sempre é uma pessoa. A história grega nos mostra isso. A história romana, egípcia, nos mostra isso. As grandes civilizações nos mostra exatamente o que é o mito, não é o caso do Vandré. O Vandré é um símbolo, sem a menor dúvida, da resistência brasileira, queira ele ou não, mas ele provocou com “Caminhando” ou “Pra não dizer que não falei das flores” ele provocou uma movimentação em torno do personagem muito grande, que o endeusa.

JV – A grande discussão que gira em torno dele é justamente essa. Numa época ele foi um símbolo de resistência a ditadura e hoje ele faz música em homenagem a FAB, quer dizer, essa é a grande polêmica. Por isso muitos acham que ele enlouqueceu.

AA – Fabiana é uma música feita para uma criança. Agora quando tem a historia da FAB, Fabiana, tem a palavra, tem e... É o tipo da coisa que só ele pode falar... É uma coisa que tá embrenhada.

JV – Ele diz que era um sonho de criança, que desde a infância ele já admirava os aviões. Na época da 2ª guerra ele ficava vendo os aviões caça passarem, enfim, e que ele só se aproximou da FAB muito tempo depois da ditadura, em 85, para aprender a voar. Esse era o grande sonho dele.

AA – Ele tem noções muito curiosas sobre a matemática da aviação. Ele tem noções muito concretas. Ele chegou a estudar alguma coisa. Ele tem amigos na aeronáutica e tal. Mas, enfim, isso ai realmente são detalhes que só ele poderia responder.