domingo, 23 de outubro de 2011

Entrevista com Clélia Cardim (Telé) - Jornalista

Telé na platéia do Festival da Record em 67

JV - Onde você conheceu  Geraldo Vandre?

TC – A gente se encontrava todas as noites, nós tínhamos um ponto de encontro aqui em São Paulo, chamava Sand Churra que era na galeria Metrópole, hoje não tem mais. A galeria existe, ali na Praça Dom José Gaspar. Ali a gente encontrava os músicos e intelectuais. Dali nós íamos para Galeria Zarvos na livraria do Paulo Bonfim.
Minha relação com a música já é de família e com o meio artístico também. Nos idos de 57/58 início da fase da Bossa Nova a nós íamos aonde a gente queria ouvir a boa música,  onde tinha os grupos a gente se encontrava: Marcos Valle, Paulo Sergio Valle, Wilson Simonal, Claudete Soares, Carlos Lyra, Nara Leão, João Gilberto nós estávamos sempre juntos. O João Gilberto eu conheci em 1959 na União Cultural Brasil-Estados Unidos. Ele foi lá pra assistir o show do Zimbo Trio que estava no início, não era  Zimbo Trio ainda, era o Luis Chaves, O Sabá e o Pedrinho Mata. O Pedrinho Mata estudava inglês na União Cultural, e toda segunda e sexta feira tinha um chamado “Solo Fest”. Aí os anos foram passando e a gente foi conhecendo o Geraldo Vandré desse meio. Ele sempre foi uma pessoa arredia, uma pessoa muito seletiva, e nós ficamos muito do lado dele, porque as músicas dele eram músicas que falavam de amor e panfletárias também. Em 62 não tinha ainda ditadura, nós estávamos em plena fase da Bossa Nova, e ele, o Vandré estava com aquela música “Fica mal com Deus quem não se dá...” e ele cantava com aquela moça, a Ana Lúcia “Eu sem você não sei mais viver...” ele fazia a segunda voz com ela. Tanto que em um show que ela fez a cerca de uns 4 ou 5 anos atrás ele foi assistir. Não sei se ela está em São Paulo porque a família toda dela era de Santa Catarina ela estava aqui em São Paulo meio que perdida depois que terminou o movimento musical. E Geraldo Vandré foi assisti o show dela onde e apresentou junto com Wilson Simonal. Foi uma das últimas apresentações do Wilson Simonal. E o Vandré é uma pessoa muito inteligente, um cara muito culto, formado em Direito e na época da Ditadura era Fiscal da Sunab. Com a Ditadura  os direitos dele foram cassados eele teve que sair do País.

JV- A prisão dele chegou ser decretada?

TC - Chegou, foi decretada sim. Olha, na noite que ele cantou “Pra não dizer que não falei das flores”  no Maracanã foi a última apresentação dele no Brasil.

JV – Mas, nesse período ele estava em uma turnê pelo Brasil, não estava?

TC – Lá no Mato Grosso, lá no Brasil central. Ele foi tirado do país por um capitão do exército. Ele estava em Goiânia. O empresário dele se chamava Borges. O Borges me ligou e disse: Telé você precisa me fazer uma favor: eu preciso pegar as roupas do Geraldo Vandré porque ele tem que deixar o país e eu preciso levar algumas coisas dele embora. E era uma época muito repressiva então o que a gente fez: ele marcou comigo duas horas da manhã. Eu morava no viaduto Santa Efigênia (o edifício ainda está lá). Foi a minha vizinha que me deu o recado. Eu fui  atender o telefone quase onze horas da manhã e marcamos para a noite. Então duas oras da manhã eu saí,  não tinha carro nem nada, peguei um táxi, eu não tinha carro. Marquei com ele na Alameda Barros, o apartamento dele (Vandré)  era na esquina da Br. de Tatuí, a Al. Barros, não me lembro se era 4° ou 7° andar. Peguei a chave com o Borges que estava distante do apartamento olhando pra todos os lados. Fui no apartamento juntei um monte de roupa dele,  fiz duas trouxas, sai com uma e saí com outra, fui buscar uma e fui buscar outra. Botei dentro do carro do Borges e nunca mais vi o Vandré. Aí fiquei sabendo que ele tinha saído do País, foi pra Bolívia e depois foi para o Chile. Quem tirou ele do país foi um capitão do exército.

JV - Esse capitão do exército era amigo da família?

TC – aí eu não seu porque o Borges não me falou. Quanto menos você soubesse menos você se comprometia, então, era um capitão do exército que estava tirando ele, e eu supus nessas alturas do campeonato que esse capitão podia ser o Lamarca.

JV – Alguns jornais citam que quem o ajudou na época foi o então governador Abreu Sodré.

TC – Ele (o Vandré) esteve na recepção da Rainha Elizabeth em 68 no Palácio do governador, era o Sodré o governador, e ele esteve no jantar. Ele, o Juca Chaves, Plínio Marcos, todo mundo lá, provavelmente deve ter sido o governador Abreu Sodré, eu tenho plena certeza. O Borges falou pra mim, quem tirou o Vandré do país, foi um oficial do exército, um capitão do exército, botou ele num jipe e tirou ele do país. Nem no carro dele ele foi.

JV – Tudo isso foi conseqüência do impacto causado pela música “Caminhando”?

TC – A música Caminhando. Se você perceber a letra fala das botas dos militares. A letra é bem clara. Já começou quando ele fez Disparada.

JV – Mas você acha que a intenção dele era “bater de frente” que o regime? Porque hoje ele nega.

TC – Era, era... O Vandré, hoje em dia, a cabeça dele é outra, ele tem uma lucidez bárbara, ele é de uma lucidez maravilhosa, um cara inteligente, um dia vão contar a história dele direitinho... A esperança da gente, que conhece o Vandré, é que um dia ele fale publicamente, cante... O Vandré não tem consciência da potencialidade dele. Se ele se apresentar, fizer um show, ir para o  Morumbi, vai lotar. É evidente que ele terá que convidar alguns artistas. Meu sonho é que um dia ele autorize a gente produzir um show pra ele, você pode ter certeza que no show dele vai Chico, vai Milton Nascimento, esse povo todo é da era Vandré, e que, infelizmente, ele se distanciou dessas pessoas pelas razões que nem ele sabe explicar.

JV – Mas esse distanciamento você acha que ocorreu só por parte dele?

TC – Sabe o que acontece?  Uma das coisas que o Vandré me disse uma vez, que ele queria que eu o acompanhasse, produzisse um show pra ele, que ele queria fazer primeiro no Paraguai. Mas, eu falei: Vandré eu não posso viajar, eu tenho família, eu tenho emprego fixo, eu não posso viajar. Eu posso produzir pra você, mas, aqui. Porque você não faz o show aqui? Aí, não quer fazer televisão porque diz que a televisão paga uma fortuna para Paul McCartney e tem que pagar pra ele também. Eu Falei: Vandré, você não estipula preço pra você, você não têm preço! Se você cantar no Morumbi você vai lotar o Morumbi. Eu tenho certeza, vai lotar. As pessoas vão querer vê o ídolo que todo mundo fala que é o Vandré e não sabe onde ele está. Então por isso que eu digo: Você teve um privilégio em chegar perto dele, porque na padaria ele chega perto de todo mundo lá porque as pessoas não sabem que ele é o Vandré. Ele é uma pessoa comum. Um dia um cara chegou e cismou com ele e bateu nele lá. Ele não é uma pessoa agressiva fisicamente, ele não é de agredir alguém fisicamente, ele pode até ser agressivo na forma dele se expressar, ser arredio, ele não é agressivo, ele é arredio.

JV - É verdade que o Pai dele era Deputado Estadual em João Pessoa, ele era do Partido Comunista?

TC - É, era.

JV - Então ele já tinha uma veia política?

TC – Lógico, ele sempre teve. O Vandré não é uma pessoa agressiva, ele parece ser agressivo, ele é uma pessoa arredia. Ele é uma pessoa muito boa. Se você sentar e conversar com ele, qualquer assunto se ele se interessar ele vai falar. Agora da vida particular dele, nem entre amigos ele fala. E nem quer saber a vida dos outros. O Vandré é uma das figuras do meio artístico... É uma Greta Garbo do meio artístico... Ele quer ficar sozinho.

JV – Ele sempre foi assim?

TC – Ele foi casado com uma amiga minha que era publicitária, a Nilce Tranjan.

JV- Ele teve outras esposas além dela?

TC – Que eu saiba não. Ele teve uma namorada na França. Teve uma namorada também no Chile. Na época era época do Pinochet  ele foi obrigado deixar o Chile, e foi embora pra França. E lá ele ficou até a anistia. A gente tinha notícia dele através de amigos que estavam na França. Ele teve de deixar o país, ele não deixou o país junto com o grupo de exilados. Os exilados saíram porque foram trocados com embaixadores.

JV  – E essa história de quando ele voltou? Dizem que a volta dele também foi negociada com o coronel do exército?

TC – da FAB. E lê fez uma música chamada Fabiana.

JV  – Mas isso foi depois, em 85 que ele fez essa música.

TC – não, não, foi quando ele voltou, ele voltou em 78, 79.

JV – 73, foi em 73 que ele voltou para o Brasil.

TC – Não nessa época ele não estava no Brasil.

JV – Foi, foi em 73.

TC – não, não, não... 73 em plena ditadura? Me desculpe...

JV – Justamente por isso que existe uma polêmica em torno disso...

TC – Ele não voltou em 73 eu tenho certeza.

JV – O que diz em todas as matérias que eu li a respeito, nos jornais da época... Eu fiz uma pesquisa extensa e consta que ele voltou em Julho de 73, só que ficou durante um mês sendo interrogado em uma base militar...

TC – Imagina, estava em plena ditadura...

JV – Então, mais aí é que está, justamente por isso há essa polêmica. Muitos dizem que ele se vendeu em troca de voltar para o Brasil. Tanto é que falam que a volta dele antes da anistia foi porque houve uma negociação entre a família dele e o exército, porque ele estava passando por vários problemas psicológicos e aí a mãe dele foi ao Chile busca-lo de volta. E segundo consta, a permissão dele permanecer no Brasil foi condicionada a essa declaração que ele teve que fazer no Jornal nacional, em rede nacional, dizendo que nunca esteve envolvido com partido político....

TC – Eu não lembro disso...e olha que eu acompanho o Vandré... e não lembro disso.

JV – Por isso que eu estou te perguntando. Porque existem muitas histórias e não sabemos até que ponto tudo isso é verdade. Eu tenho inclusive o jornal da época. Olha aqui. Por isso muitos dizem que ele ficou louco.

TC- Ele apanhou muito.

JV – Ele foi torturado?

TC – No Chile. Pela polícia do Pinochet.

JV – No Brasil não? Aqui ele não foi torturado?

TC – Aqui não, ele fugiu. Ou melhor, ele não fugiu, ele foi tirado do país.

JV – Mas na verdade ele não foi exilado, ele se auto-exilou.

TC – mas se tivesse vindo para o Brasil na época sem essa interferência da família ele seria fatalmente preso.

JV – E depois que ele retornou você teve contato com ele?

TC – Tive, eu o trouxe aqui na Record, ele almoçou com a gente aqui.

JV – E o que ele fala em relação ao fato de não voltar a cantar no Brasil?

TC – Ele não quer cantar, eu não sei, ele não canta em lugar nenhum. Olha, eu acho assim, o Vandré é uma pessoa lúcida e um pouco teatral, ele é uma pessoa honesta, mas faz um pouco de teatro. Eu acho que ele se “endeusou”, ele perdeu o bonde da história. A música caminhou e ele parou. De lá pra cá, a não ser Fabiana, eu não conheço mais nada dele.

JV  - Ele fala que fizeram dele um Che Guevara cantor.

TC – Aí é sofisma. Se ele não tem um lado político como ele se acha um Che Guevara? Che Guevara era um homem político, ele fazia política... Eu o aconselho a assistir Diário de um motociclista. O Vandré é um mito, e é uma pessoa extremamente misteriosa, e ele é esquisito como a gente diz, mas, ele além de ser uma pessoa arredia, ele é educado. Agora, ele não perdeu a ternura.
Do Vandré, eu lembro de uma coisa: uma vez o Simonal tinha um programa na Record, e o Simonal estava cantando Mustang cor de Sangue do Marcos Valle. Aí quando terminou o ensaio o Vandré foi conversar com ele. Aí o Simonal falou assim: então Vandré, que marca é o seu carro? E o Vandré respondeu: eu tenho um Volkswagen. Era 1965, 66 mais ou menos nessa época.  Pô, você é Geraldo Vandré e tem um Volkswagen, vem falar pra mim que eu to cantando Mustang cor de sangue, eu só tô cantando Mustang cor de Sangue, mas, eu não tenho um Mustang, mas, eu tenho um carro melhor que um Volkswagen. E o Vandré ficou queimado, porque quer queira ou não, ele é nacionalista. Aí o Vandré falou assim: “Eu tenho um Volkswagen que é um carro nacional e me leva onde eu quero”. Mas tarde ele comprou um Landau, que era um Galaxie branco. Foi nesse carro que o Borges veio buscar as roupas dele. Eu entrei no apartamento do Vandré e levei as roupas. E depois nunca mais vi, nem o Borges e nem o Vandré. O Vandré tinha de se apresentar no sul do País. Já tinha uma ordem de prisão contra ele. Quem o tirou do país foi um militar. Isso foi o Borges que falou pra mim. Ele fugiu num jipe militar, ele saiu pela fronteira. Isso o Borges me contou. Eu falei: Como é que vocês vão conseguir sair daqui? Esse carro do Vandré é visado. Então ele disse: mas ele não vai nesse carro, esse carro é pra despistar, ele vai num jipe militar, foi um capitão do exército que o ajudou a sair do País.

JV - E ninguém sabe quem é esse capitão? Provavelmente o mesmo que o trouxe de volta?

TC – Não sei. A volta dele a gente sabe que ele voltou, mas essa de 73... Eu não sabia dessa história que saiu em jornais, eu não acompanhei, talvez eu tenha perdido esse lance. Mas o Vandré voltou muito rapidamente e voltou pro Chile.

JV – Mas se ele tinha sido expulso do Chile, ele voltou? Ele foi expulso na época do Pinochet?

TC -  Na época do Pinochet, 73 já era Pinochet.

JV – Então, foi em 73 justamente que diz aqui que ele voltou pro Brasil, em agosto, em julho na verdade...

TC – Quando ele foi era o Allende...

JV – Isso mesmo...

TC – Salvador Allende. É interessante que quando houve a revolução no Chile, que o Allende acabou sendo assassinado pela polícia do Pinochet, Vandré estava lá. 73 foi a época do Pinochet, foi a época da tomada de poder do Pinochet. Então ele deve ter voltado pra cá depois que foi pra França, depois veio pra cá. Em 73 ele não voltou para o Brasil não, ele pode ter ido pra Bolívia, pode ter voltado pra  França, é um estranho caminhar.
Eu não sou evangélica, mas, eu já me questionei o que Jesus fez dos 16 aos 33 anos, onde ele andou esses anos todos? Porque aos 33 anos ele reapareceu e reencontrou os apóstolos e fez o caminhar. Tem um hiato aí. A mesma coisa o Vandré. Aquele período onde ele foi? A gente tinha notícias de gente que via ele na França.

JV – Ele passou por vários países na Europa: Argélia, França....

TC – E aqui na América do Sul também. Ele deve ter ido pra Venezuela, Caracas, ele foi pra esses lados aí. Nicarágua, ele pode ter ido pra Nicarágua... Porque era onde estava acontecendo as revoluções. Agora, no Chile, ele saiu por causa do Pinochet.

JV – Parece que ele saiu porque estava se apresentando sem licença em programas de televisão e era necessário ter licença como cantor, por isso,  ele foi proibido e teve que sair do País...

TC –Sabe o que acontece? Os grupos militares eles se comunicavam. Pode ter certeza que aí foi o grupo militar do Brasil se comunicando com os militares no Chile. Eles sabiam que ele estava lá, e aqui ele tinha ordem de prisão, isso eu tenho certeza...

JV – Mas, se tinha uma ordem de prisão, então ele podia ter sido preso lá e mandado de volta para o Brasil como preso político, ou não?

TC – Mas antes que isso acontecesse, ele já foi embora. Naquela época muita gente ajudava. A gente se ajudava no meio. O Augusto Boal e o Guarnieri também tinham ordem de prisão. Certa ocasião, a gente estava fazendo uma leitura teatral na Aliança Francesa quando, eu passei pelo teatro de Arena não encontrei nem o Guarnieri nem o Boal no Arena, aí fomos pra Aliança Francesa. Isso em 68 ou 67, não me lembro bem a data. A gente estava na aliança Francesa e de repente chegou o Dops, a polícia de repressão, procurando o Guarnieri e o Boal. E eu bem mais nova na época, mas, já envolvida politicamente com as coisas, com os meios, fiz de conta que não sabia de nada e fiquei na minha e eles continuaram lá. Aí eu disse que tinha que ir embora, porque não podia chegar tarde em casa.. E consegui saí do teatro Aliança Francesa porque eu sabia que o Augusto Boal e o Guarnieri ia vir ali, então...  Por que eu estou lhe contando isso? Porque a gente prestava uma atenção danada, e a gente sempre estava avisando alguém que podia avisar também. O quê que eu fiz? Saí do teatro, eu e o menino que era sobrinho do Atílio Sampaio, que foi Secretário de Segurança, o Virgílio Sampaio. Nós dois saímos e por coincidência encontramos o Guarnieri e o Boal vindo para o Aliança Francesa. Bem antes da Aliança Francesa, a gente não sabia se tinha gente por ali, a gente foi embora, se desarticulou, seguimos em direção do Jaguareí e encontramos os dois: “Não vão pra lá porque o Dops tá lá procurando vocês”. Desse dia também nunca mais eu vi o Boal e nem o Guarnieri por muito tempo. O Guarnieri foi pra Itália e o Boal também. Saíram do País. Por isso que eu digo, o Vandré devia ter alguém que avisava, porque a gente avisava todo mundo, um passava para o outro. Então ele foi avisado pra não vim para o País. Ele foi avisado no Chile. Ele fugiu.

JV – Muita gente fala que ele traiu a ideologia dele...

TC – Não ele não traiu...

JV – Alguns dizem que ele fez um acordo com os militares.

TC – Não é verdade, não é verdade! Não encostaram um dedo nele aqui.

JV – Ele diz que nunca os militares encostaram a mão nele.

TC - Ninguém encostou um dedo nele aqui no Brasil. Ele apanhou no Chile! Ele apanhou na França!

JV – França também?

TC – Na França também na época dos estudantes. Ele não apanhou da polícia. Naquele borbulho de estudante ele deve ter levado uma pedrada... Mas, tortura mesmo foi no Chile! Tem até uma foto dele de braços abertos dizendo que estava fazendo a imitação de Cristo. Ele apanhou no Chile! Porque ele tinha uma mulher chilena, ele viveu com uma chilena lá.

JV – E essa história que ele diz que nunca recebeu direitos autorais de “caminhando”?

TC – Se ele diz isso é porque não recebeu mesmo.

JV – Mas então, se ele não recebeu alguém está recebendo no lugar dele?

TC – Pode ser.

JV – Mas o  Ecad obriga. Não?

TC – Mas rouba! O Ecad rouba! Tinha que ter uma CPI em cima do Ecad, porque eu me lembro daquele cantor Paulo Lima que cantava “E agora José”, ele não recebeu um tostão dessa música, porque o autor  dessa música era um, era... Como é que era o nome dele? Agora eu não vou lembrar... Mas o Paulo Lima não recebeu os direitos autorais. Roberto Carlos não recebe os direitos autorais dele direito!

JV – A é...?

TC – É... a Ecad mete a mão.

JV  -No caso do Vandré, foram lançadas várias coletâneas dele sem autorização, não´é?

TC – Mas se ele parar de ficar divagando, ele entra com advogado e recebe todos os direitos dele.

JV – Pois é, mas, pelo que parece ele não quer, ele não se importa com isso...

TC – Ele recebeu uma indenização de reintegração da Sunab que não foi pouco dinheiro não, ele recebeu um bom dinheiro da Sunab, ele foi reintegrada e recebeu todos os atrasados. Deu pra levantar a vidinha dele. Ele é uma pessoa de gestos e hábitos muito simples, então pra ele o dinheiro que ele tem dá. Agora eu não sei como é que ele vive, de que dinheiro? Porque ele não trabalha...

JV – Mas ele tem a aposentaria.

TC – A aposentadoria da Sunab, só...só isso. E o apartamento que é dele.

JV – Uma coisa que eu não consigo entender é essa recusa dele em cantar, porque a vida toda dele sempre foi em prol da música e de repente na hora que ele atinge o auge...

TC – De repente ele vai acordar, uma hora ele acorda... Agora aqui no Brasil ninguém encostou a mão nele. Ele sofreu tortura fora do país. Eu acho que ele não gosta de falar desse assunto porque deve ter sido uma fase muito amarga pra ele. Ele quis botar uma pedra.

JV – Ele diz que a maior revolta dele não é contra os militares é contra a sociedade civil que condenou ele sem um julgamento, fizeram dele um criminoso...

TC – É uma pena. Mas uma hora ele vai acabar cantando, agora, pra você conseguir as coisas você tem que compilar, como você ta fazendo aqui. Daqui, dali, você vai conseguir mais histórias, ainda que algumas coisas possam estar incorretas, mais de 50% do que você tem aí de coisas, você pode tirar 25% que você vai fazer uma boa tese, mais do que conversar com ele. Porque quando a pessoa faz essa matéria já esteve  perto dele, porque repórter encosta e vai tirando dele o que puder tirar, não precisa dizer que é jornalista e vai entrevistar.
Eu não sei em que mais eu posso te servir, eu só posso te dizer assim, das poucas vezes que a gente esteve juntos em época de festivais, ele era uma pessoa que falava muito pouco sobre ele, ele não falava sobre ele nem sobre a família, ele não chegou ter uma família, ele casou com a Nilce, ficou casado com ela um bom tempo, depois não sei por qual razão se separou.

JV – Em 68 eles já estavam separados?

TC – Já. Mas ele foi muito apaixonado por essa moça. Ele era “amarradão” nela.

JV – O Alberto Helena falou que ele sempre esteve muito bem acompanhado de mulheres bonitas.

TC- É verdade. Ele era uma pessoa atraente e o fato dele ser o Geraldo Vandré, ele era diferente de qualquer outro cantor, de qualquer outro compositor. Pela figura dele. Ele era um mito. Ele tem um semblante diferente.

JV – Uma coisa que eu admiro nele é que ele não buca a fama, o reconhecimento, como faz todos os artistas. Porque geralmente o artista se vangloria. E ele não, ao contrário dos outros que procuram ser assediados, ele repudia o assédio.

TC – Ele é reservado.

JV – Eu acho muito bonito isso nele, porque se fosse outra pessoa iria se aproveitar da situação, justamente pra ganhar dinheiro.

TC – lógico. E ele não, ele é discreto, agora é profundamente arredio. Você tem que aproveitar o que ele fala pra você, você tem que saber jogar pra você tirar alguma coisa dele. Você não consegue tirar nada dele se você fizer uma pergunta direta.
            Uma vez ele estava sentado lá na padaria e, esse jeito dele, acho que alguém encheu o saco dele lá, e ele pegou e falou “não enche meu saco”. O cara bateu bateu nele, chutou e ele precisou ser socorrido. Ele ligou pra mim “Telé me leva no hospital o cara chutou meu saco!” (risos) Como assim Vandré? “ Pó, o cara senta do meu lado e fica enchendo meu saco! E ainda veio bater em mim!” Na época ele estava com 63 anos mais ou menos, faz tempo, uns 9 anos.  Foi em 95. Ele veio aqui na Record em 96. Ele era muito amigo do Lafond que era diretor na época.





















segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Assis Angelo (Jornalista e Estudioso da Cultura Popular)






Assis Angelo - Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o paraibano que tornou notório pelo pseudônimo de Vandré, eu o conheci no ano de 1978, eu não recordo exatamente o mês, mas foi em setembro desse mesmo ano que eu publiquei uma entrevista dele. Foi a primeira entrevista dele formal a um representante da chamada grande imprensa. Eu era repórter da Folha de S.Paulo. E essa entrevista com Geraldo Vandré eu publiquei em setembro de 1978, no suplemento Folhetim, portanto a Folha de S.Paulo. Era um suplemento do jornal encartado aos domingos.

Jeane Vidal -A partir daí que  você começou a ter um contato com ele? Surgiu uma amizade? Como foi?

AA – Sim, o Vandré ele esteve exilado, eu estive na minha terra. Eu vim pra São Paulo em 76, e ele voltou ao Brasil em 73, em 78 nós mantivemos contatos pessoais. Foi quando resultaram esses contatos na entrevista que eu publiquei na Folha de S. Paulo.

JV – Antes de 78, você acompanhou a história dele?

AA – Eu acompanhei o Vandré como muita gente, pela televisão, em João Pessoa, eu acompanhei, por exemplo, “Caminhando”, a disputa de “Caminhando” com “Sabiá” pela TV em preto em branco. Eu acho que era preto e branco, não tenho muita certeza, mas quero crer que sim. E se não era preto e branco era um colorido esquisito, porque o colorido... Não, já era colorido porque na copa de 70, né... Eu assisti... Mas a gente ta falando de 68,  né?

JV – 68 foi o festival, mas, ele retornou ao Brasil em 73.

AA – É, mas aí a partir do momento que ele volta para o Brasil, ele já não volta como um artista de palco, ele volta e fica como cidadão. Cidadão que escolhe não pagar imposto, viver a margem da sociedade, questionando as leis do país, a democracia incipiente, a democracia ainda menina, digamos ainda assim que é a nossa democracia, uma democracia que valoriza mais o banal e não o valor real das coisas e das pessoas. Então o Geraldo Vandré quando ele volta do exílio espontâneo, ele já não participa da vida artística brasileira.

JV – Por qual motivo, em sua opinião, ele abriu mão da vida artística?

AA - Olhe eu sou jornalista profissional, eu acompanho as coisas e escrevo sobre fatos. Quando você me fala o que eu acho eu fico de mãos atadas e, incapaz de expressar uma opinião, porque não há um fato concreto que me leve a analisar o comportamento de Geraldo Vandré ou de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. Tanto o cidadão Pedrosa quanto o artista Vandré são uma incógnita pra mim porque a pergunta que você me faz me induz a fazer uma análise e eu não sou médico, eu não sou psiquiatra, tá certo, eu não saberia te falar não. Eu falo de fato real.

JV – E diante dos fatos de que forma você vê isso tudo?

AA – Eu acho que o que aconteceu com ele... Eu estou no campo do “achômetro”, eu não posso falar. O “achometro” é um paralelo, é um instrumento de paralelismo que não leva a nada. Acho, eu não acho, não tenho como achar. Eu tenho que falar o seguinte: ele voltou em 1973 aqui está e aqui ele não se manifesta no palco. Porque ele faz isso eu não sei, eu não sei. Ele é um advogado. Ele como profissional de direito é um cidadão que analisa os fatos do cotidiano também. Agora, o que o levou a decidir a não subir mais no palco eu não saberia, eu não saberia. Eu acho que eu não tenho dados muito consistentes para analisar essa decisão, que é uma decisão pessoal. Por mais que eu diga eu acho isso, eu acho aquilo, eu vou ficar no campo do “achômetro”, da possibilidade, e que não leva a nada. Tudo que eu disser pode ser irreal, não tem sustentação. Essa é uma pergunta que com toda certeza caberia a ele responder. Porque você não canta mais no Brasil? Porque você não sobe mais a um palco? Porque você não canta? Eu acho que são perguntas que ele poderia responder com propriedade, naturalmente.

JV  - Eu fiz essa pergunta a ele, e o que ele respondeu é que existe a hora certa, e que essa hora ainda não chegou, no momento certo isso vai ocorrer.

AA - Quem sabe faz a hora não espera acontecer não é isso? É uma frase, é um verso dele que só ele saberá desvendá-lo. Então, tomara nós todos, que ele encontre a hora, faça a hora de nos presentear com a sua presença no palco para cantar a vida que ele aprendeu a viver e a interpretar.

JV – Ele tem uma posição ideológica muito radical não é? Uma coisa que eu admiro nele é justamente o fato dele não se vender em troca da fama. Ele tem uma posição, uma visão e defende com unhas e dentes.

AA – O Geraldo Pedrosa de Araújo Dias é um Brasileiro, é um cidadão. O Geraldo Vandré é um personagem. O Geraldo Pedrosa de Araújo Dias é dono do Geraldo Vandré. Então o que faz o Pedrosa segurar o Vandré só o Pedrosa poderá responder inclusive como advogado. O que ele já disse é que não vive num país com estado de direito, um estado de direito. Quer dizer, falta isso, e ele deve ter suas razões, muito profundas, né? Se, se analisar profundamente essa posição vai se achar a causa, porque o Geraldo é um advogado, é um homem de leis, que estuda as leis, então quando ele diz que o Brasil não vive um estado de direito ele deve ter lá suas razões e qualquer cidadão com um bom senso pode endossar a sua visão. Agora, evidentemente, um artista do tamanho do Geraldo Vandré não subir ao palco desde  1968, porque ele deixou o Brasil no dia 13 de Dezembro de 1968, quando ele volta ele não canta, quer dizer, ele não canta desde 1968 porque ele não canta. Então, se fosse pra resumir tudo, eu diria que ele estaria fazendo uma greve. É um exilado dentro do Brasil. Eu vejo o personagem Vandré assim: um ser inventado ou não, exilado no próprio país. É como se ele estivesse protestando contra os desmandos que há no país. Eu vejo dessa forma.

JV - Quando ele fala em estado direito o que ele quer dizer exatamente?

AA – É o estado democrático, né? quer dizer, ele pode dizer: olha eu estou vivendo num estado de direto, eu posso falar,  gritar, berrar, eu posso fazer barulho até 10 horas da noite, eu voto, eu tenho direito de votar, eu pago imposto. Mas se você for olhar isso, quantos impostos a gente paga? O brasileiro paga mais de 50 impostos. Notícia que saiu agora pouco na imprensa dá conta de que o brasileiro pagou 33% arcou com 33% de tudo quanto o Brasil viu, ou seja, de impostos. Quer dizer, o brasileiro trabalha hoje mais de 3 meses e meio por ano para o estado que tem muitas garras e faz o quê com esse dinheiro? Aí nós vemos todos os dias os desmandos políticos em todas as casas: vereador, assembléia, câmara, assembléia, congresso, senado e a própria presidência. Então há um acobertamento, há um roubo encoberto o tempo todo e o povo sofrendo, o desemprego aumentando, e o analfabetismo também não sai do lugar, ou seja, estamos regredindo a cada tempo. Então, que estado de direito é esse? O direito de quem está lá mandando. E o cidadão não tem direito? Ele paga imposto, ele faz tudo. Agora o cidadão que a gente escolhe pra nos representar lá, ele tem direito de roubar e fazer tudo. É o “autoridade de plantão”, é o homem escolhido pra nos representar. Então esse é um questionamento plenamente compreensivo, tá certo? Esse que o Geraldo Pedrosa de Araújo faz. E se ele segura  e prende o Vandré é porque ele tem a intenção de proteger esse personagem.

JV – Tem ainda toda essa questão dele ter se tornado um mito, não é?

AA – É questionar. O que é um mito pra você?

JV – É alguém que se transformou  num “deus”. Alguém que você idealiza e de repente não é nem o que ele é de fato, mas o que se criou em torno dele.

AA – Então tem tudo a ver com a comunicação de massa. Isso tem tudo a ver com a imprensa, jornalismo, minha profissão a tua que você ta abraçando agora, quer dizer, isso é uma, o mito... Primeiro que o mito ele não existe, ele não é fabricado em 10, 20, 30, 50 anos, então essa sua colocação ela não está muito clara. O mito ele é milenar, ele é uma coisa muito antiga, uma legenda. Um ídolo sim, um fenômeno tudo bem, agora um mito é a forma mais banal de a gente endeusar quem estar a nossa volta. Porque um mito não se faz em cem anos. É que nem a cultura popular: nada é popular por menor de um século. Uma piada, uma graça, só entra no embornal da cultura popular, do panteão da cultura popular com pelo menos cem anos. Tá certo? É evidente que o Vandré é resultado das mídias, é resultado de um tempo, né? Agora, a resistência que ele tem tido contra a prática do viver cotidiano politicamente e economicamente falando do país, evidentemente, que ele passa a ser visto como um símbolo. Até ser um mito realmente é a gente banalizar a palavra. De qualquer forma é compreensível isso, quer dizer, é um ser distante, é um ser aparentemente inatingível, e o que é inatingível é um mito. Mas não se esqueça que um mito nem sempre é uma pessoa. A história grega nos mostra isso. A história romana, egípcia, nos mostra isso. As grandes civilizações nos mostra exatamente o que é o mito, não é o caso do Vandré. O Vandré é um símbolo, sem a menor dúvida, da resistência brasileira, queira ele ou não, mas ele provocou com “Caminhando” ou “Pra não dizer que não falei das flores” ele provocou uma movimentação em torno do personagem muito grande, que o endeusa.

JV – A grande discussão que gira em torno dele é justamente essa. Numa época ele foi um símbolo de resistência a ditadura e hoje ele faz música em homenagem a FAB, quer dizer, essa é a grande polêmica. Por isso muitos acham que ele enlouqueceu.

AA – Fabiana é uma música feita para uma criança. Agora quando tem a historia da FAB, Fabiana, tem a palavra, tem e... É o tipo da coisa que só ele pode falar... É uma coisa que tá embrenhada.

JV – Ele diz que era um sonho de criança, que desde a infância ele já admirava os aviões. Na época da 2ª guerra ele ficava vendo os aviões caça passarem, enfim, e que ele só se aproximou da FAB muito tempo depois da ditadura, em 85, para aprender a voar. Esse era o grande sonho dele.

AA – Ele tem noções muito curiosas sobre a matemática da aviação. Ele tem noções muito concretas. Ele chegou a estudar alguma coisa. Ele tem amigos na aeronáutica e tal. Mas, enfim, isso ai realmente são detalhes que só ele poderia responder.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevista com Audálio Dantas (Jornalista e Escritor)

JV - Quando começou a sua relação com Geraldo Vandré?

AD - Essa relação começou nos anos 60, quando o País passava... No início, antes do golpe de 64 principalmente, havia um grande momento de criatividade no País, em todos os sentidos. Tinha Brasília, tinha a Bossa Nova, tinha o Cinema Novo, tinha a música de Geraldo nova e tal... E aí havia uma relação muito próxima entre pessoas... Aí depois da ditadura principalmente essa relação entre artistas, intelectuais, jornalistas, escritores, pintores, enfim.... Essa relação se estreitou muito porque havia um objetivo comum que era o de combater a ditadura, de resistir a ditadura. E aí essas pessoas se encontravam naturalmente. Nessa fase... Esse momento que o Brasil perdeu, foi desgraçadamente jogado fora pelos militares, porque era o momento do Brasil decolar em todos os sentidos. E foi frustrado isso pelo golpe, que inclusive tinha, evidentemente, claramente, comprovadamente, interesse estrangeiro. E nós então perdemos esse momento. Mas esse momento foi de uma riqueza extraordinária nesse sentido, porque apesar dos primeiros anos da ditadura já, antes do AI-5, mostrar a que eles vinham, mas ainda havia um certo espaço para o exercícios de determinadas atividades. E aí nasciam coisas novas, muitas coisas novas. Aqui em SP havia, pelo menos dois bares, dois bares, olha que coisa? Que reunia gente de todo lado: um era o Juão Sebastião Bar, você já ouviu falar? Que era uma idéia magnífica do Paulo Cotrim, reunia artistas...

JV – Ele ainda está vivo, o Paulo Cotrim?

AD – Não, morreu, infelizmente, era uma pessoa muito inteligente. E aí se reunia todo mundo. O Chico, por exemplo, começou a aparecer lá, muito tímido, como continua até hoje e outros grandes artistas passavam pelo Juão Sebastião Bar, e a gente lá se encontrava. E também noutro bar que se chamava Jogral, que era do Luis Carlos Paraná, e outros que havia na galeria Metrópoles lá atrás da biblioteca. E ali então você cruzava com todo mundo. Então era o Gil, o Gil de gravata e pasta debaixo do braço, o Vandré, aliás, acho que os dois tinham escritório ali num daqueles prédios da praça Dom José Gaspar. O Caetano aparecia de vez em quando. Havia uma livraria na galeria Metrópole que chamava Ponto de Encontro que era do João Carlos Meireles que também era outra coisa, era livro disso, enfim... Havia uma efervescência cultural muito grande e nesses bares além de artistas, jornalistas, boêmios em geral, aparecia cientistas, por exemplo, o que também por acaso é artista o.... Poxa vida, meu grande amigo, o que é biólogo como é o nome dele, que faz música? O autor do... Bom, depois eu me lembro, claro, é só um branco porque eu não podia me esquecer o nome dele... Bom e aí a gente se encontrava, trombava uns com os outros, e aí havia evidentemente troca de idéias etc e tal. Isso foi aos poucos se transformando em resistência contra a ditadura. Em 1967, 64, 65, 67 quando o governo Castelo Branco mandou o projeto da Lei de Imprensa, que ta aí até hoje, é uma lei fascista, tá até hoje, não sei qual é o mistério, mas essa lei continua em vigor, ela pode não ser utilizada na medida em que se pretendia, mas ela está aí inteirinha, é um dos mistérios da nossa democracia. Como é que uma porcaria como essa continua. Bom, eu então não era, era só jornalista, não tinha participação sindical, partidária, nada.

JV – Nessa época o senhor estava na revista O Cruzeiro?

AD – Nessa primeira fase era da revista O Cruzeiro. Mas aí quando veio a Lei de Imprensa, alguns jornalistas amigos começaram: Precisamos  fazer alguma coisa. O sindicato dos jornalistas estava praticamente dominado por grupos que eram no mínimo indiferentes a questão da censura, da liberdade de informação, não queriam se meter em política. Nós não nos metemos em política, nós somos um sindicato de trabalhadores, não nos metemos em política. Ai nós conseguimos, descobrimos uma brecha no estatuto e aí nós conseguimos convocar uma assembléia. Um número tal de sócios conseguia convocar uma assembléia. Convocamos uma assembléia, constituímos uma comissão de liberdade de imprensa, a revelia da diretoria do sindicato e começamos a fazer um movimento contra a Lei de Imprensa. Isso em 67, antes da lei ser aprovada, era então só um projeto. Eu estou contando isso para dizer que aí se engajaram artistas e um deles muito empenhadamente foi o Vandré, que depois faria o hino da resistência que é “Pra não dizer que não falei de flores”. Aí inicialmente tivemos o apoio de alguns jornais, principalmente do Estadão, que é um jornal de tradição liberal, mas depois o movimento cresceu tanto que o Estadão recuou, porque nós botamos o movimento na rua. Na rua talvez seja um exagero, mas nós colocamos um ato público para o Teatro Paramount e ali... E começamos a distribuir panfleto no Viaduto do Chá. Então se transformou numa coisa, digamos, para a época, subversiva. Mas, conseguimos lotar o teatro Paramount, lá estava sentado e de pé umas duas mil pessoas. E o Vandré foi lá e cantou...Eu não sei se já tinha lançado ou não, ele cantou “Pra não dizer que não falei de flores”.

JV – Essa música ele cantou no Festival de 68, foi nessa época então?

AD – Não, foi em 67, é por isso que eu estou dizendo, eu não se se ele cantou um pedacinho, porque de vez em quando a gente se encontrava assim no boteco...

JV – Foi nessa época que o senhor o conheceu?

AD – Não eu já o conhecia desde antes de 64. De vez em quando ele estava com a gente no boteco e dizia: “Pô, tô fazendo uma música assim e assim..” não que ele fizesse a música lá, mas ele tava elaborando. Eu me lembro muito bem uma que fala, eu não me lembro de títulos de música, mas, uma que fala “Fica mal com Deus...”

JV – “Fica Mal com Deus”, esse é o título da música.

AD – Então essa música ele cantarolou: “Olha essa música que eu tô fazendo , o que você acha?” Ele fazia isso de vez em quando.  Bom, o Vandré se casou, a gente algumas vezes... Ele se casou com a Nilce, uma mulher lindíssima, e ele morava no Brooklin, de vez em quando a gente... Bom, esse tipo de relação, é uma relação de identificação intelectual e identificação política. E o resto é o que a gente sabe mais ou menos.

JV – O senhor chegou a participar do CPC da UNE?

AD – Não, não cheguei a participar do CPC da UNE não. O CPC da UNE teve um papel importantíssimo no início da década, depois houve tudo aquilo que a gente sabe. Agora claro que, não diretamente, mas dos eventos, das coisas sim, porque tinha muito a ver com o Teatro, com Música e tudo isso aí. Os espetáculos, a gente tava sempre lá. Eu quero dizer que eu não participei da instituição, do organismo.

JV – Entendi... Mas, ele (o Vandré) chegou a comentar alguma coisa com senhor da época que ele participou? Porque, pelo que consta, ele saiu do CPC da UNE porque considerava muito panfletária. Não concordava com algumas coisas.

AD -  Nunca. Ele nunca me comentou isso. Eu estranho ele falar “panfletária”, porque essa música dele (Pra não dizer que eu não falei das flores) é um panfleto (risos).

JV – Então, muita coisa que ele diz é contraditória.

AD – Você falou com ele agora?

JV – Falei algumas vezes por telefone, ele me concedeu uma entrevista por escrito.

AD – Digamos que o Vandré de hoje não é o Vandré dos anos 60 e 70. Não é, positivamente não é.

JV – O senhor teve contato com ele depois do exílio?

AD – Tive poucos contatos. O que ele viveu, em minha opinião, é uma tragédia. Ele viveu a tragédia, primeiro do exílio - Eu não sei exatamente o que aconteceu com ele no exílio, há várias versões - e viveu a tragédia da volta ao país. Quando ele voltou ao País ele foi, você sabe disso claro, né? Ele foi a televisão dizer que tava arrependido... E não foi o primeiro, todo mundo sabe aquilo como acontecia. Eram pessoas que eram reféns do regime e eram obrigados. Outros... Pode ser que realmente acreditassem que estavam.

JV – O que foi dito nos jornais da época, é que quando ele voltou, em Julho de 73, somente depois de um mês é que ele apareceu publicamente no Jornal Nacional dizendo que nunca havia se envolvido com partidos políticos e que a partir daquele momento só iria fazer canções de amor. De certa forma, renegando tudo aquilo que antes ele...

AD – Não, claro, de certa forma não! Então ele dizer que isso, aquilo, é panfletagem, hoje pra mim não vale. Eu continuo tendo a maior admiração pelo artista Vandré, pelo homem Vandré, mas, o que ele diga hoje, o que ele pensa, eu não concordo. Eu não acredito que ele julgasse alguma coisa panfletária, porque ele era um panfletário em si.

JV – Uma das perguntas que eu fiz a ele foi sobre o episódio do Jornal Nacional, e na sua resposta ele deixa claro que aquilo foi uma armação da Globo. Segundo ele, ele estava falando sobre os acontecimentos no Chile, sobre a queda do Allende, e foi feito uma montagem relacionando o que ele estava dizendo com a situação dele no Brasil.

AD – Tudo é possível, tudo é possível porque, não só do ponto de vista da ditadura, como da Globo, porque a Globo  naquele momento ela estava estritamente ligada a ditadura, ao governo. Mas o que houve em outros casos é que, todo mundo sabe, que os militares obrigavam o cara ir à televisão e dizer.

JV – Mas ele foi o único que fez isso, não?

AD – Não!

JV – Eu não li em nenhum jornal que isso tenha acontecido com outros artistas.

AD – Artista eu não sei, mas outras pessoas. Eu não me lembro agora...

JV – Tanto o Vandré como o Chico Buarque voltaram antes do fim da Ditadura e com o Chico Buarque não houve essa pressão toda.

AD – Sim! Por isso cada pessoa... Cada cabeça é uma cabeça. Mas houve com outras pessoas. Artistas que eu me lembre não, mas, outros participantes da resistência a ditadura fizeram declarações de arrependimento na televisão. Fizeram sim, não foi só o Vandré. Eu não me lembro agora, mas certamente sim. Bom. Aí depois o outro contato que eu tive depois da volta dele... Essa coisa no Jornal Nacional deixou muita gente irritada, né?.

JV – Tem gente que até hoje o considera um traidor...

AD – Eu não chego a isso. Pra mim... Também pode ser. Eu não acho que ele seja um traidor, mas, pode também, não pode deixar de ser. Há aquela indignação porque, todo mundo, você vai para o exílio e os outros ficam brigando aqui dentro. Foi o meu caso, ai depois o cara volta, era seu companheiro, depois diz isso... Você claro, no mínimo você se decepciona. Foi meu caso. Mas também no meu caso eu considerei essa hipótese muito provável dele ter sido chantageado, obrigado a fazer aquilo pra se livrar talvez de coisas piores, de tortura, coisa que o valha, prisão, coisas que o valha. Porque ainda não havia anistia né, e o regime estava cada vez mais, 73 era o Médici, era o período mais duro do governo militar.

JV – Segundo ele, quando voltou, não foi pelos militares que ele foi preso e levado pra depor, foi pela Polícia Federal.

AD – Sim, mas a Polícia Federal ficava no aeroporto pegando as pessoas que estavam voltando. Tinha a lista completa. Eu mesmo, quando fui Deputado, fui várias vezes esperar pessoas que voltavam pra evitar a prisão. Não sei se conseguia evitar ou não, mas muitas vezes eu fui e dizia: olha estou aqui esperando fulano, pra ver se livrava pelo menos o tal de.... Aquilo era mais ou menos clandestino. Bom, aí eu fui eleito presidente do sindicato dos jornalistas em 75 e um dia o Vandré, um dia não, mais de um dia,  ele apareceu lá. Apareceu um dia, depois outras vezes, ele apareceu. Mas, ele  já era outra pessoa. Outra pessoa. Ele não pensava aquilo que pensava, não dizia nada sobre aqueles...

JV – Sobre o que aconteceu?

AD – Antes... Dizia coisas mais ou menos desencontradas. Aí começaram as versões: o Vandré perdeu a memória, o Vandré isso, o Vandré aquilo, etc... E eu confesso que isso me entristeceu muito. A pessoa que eu conheci não era mais, não era mais aquela. Aí ele pedia pra escrever numa máquina. Tinha lá várias máquinas de escrever, não tinha computador ainda, isso foi em 75, 76. E ficava lá escrevendo, dizia umas coisas, ia embora. Isso não foi muito além. Também ninguém o hostilizou, eu não permitiria que alguém o hostilizasse, claro. E depois, muito tempo depois eu o encontrei junto com o Assis Ângelo que é amigo dele. É um jornalista também, eles são muito amigos, talvez seja bom você entrevistá-lo. Bom, mas então, a outra vez, isso faz, sei lá, uns 6, 7 anos ou mais que eu o encontrei, fui a casa dele aí na Martins Fontes. Aí ele desceu, ele veio até... Não sei se ele desceu ou se a gente já encontrou na rua...
 Aí eu disse: ô Vandré!
Perder uma carreira brilhante como aquela é uma coisa trágica...
- Pó,  cadê a música?
- Não, eu tenho aqui uma nova música.
- Aí eu tive um misto de decepção e também de... Sei lá, de lástima. Porque ele me mostrou uma letra de música...

JV – Fabiana?

AD - É. E eu digo - Porque ele escreve bem né? -  Você nota alguma coisa aí?
Ele tava querendo que eu..
. O título é Fabiana.
Aí tem uma estrofe, uma coisa que nem é grave, mas, tem um ligeiro erro de concordância.
- Tem essa concordância aqui.
- Filho da puta, é mesmo!
- A Fabiana é sua nova namorada?
- Não. É a Força Aérea Brasileira.

Aí realmente, ficou um misto assim de engraçado, trágico e cômico. Eu não vejo razão pra um sujeito escrever uma música pra Força Aérea Brasileira, entendeu? É isso.

JV – Parece que ele tem uma afinidade muito grande com a FAB.

AD – Tudo é possível. Não é o fato do pessoal da Aeronáutica de participado do golpe também que a FAB... A FAB é uma instituição.

JV – Ele diz que é um sonho de criança...

AD – Não, mas ele não é normal. Eu não escreveria jamais uma música pro exército pô, jamais. Não porque eu não goste do exército, é porque eu sou uma pessoa que não tenho nada a ver!  Pode ser que ele tenha, tenha esse sonho.

JV – A época que ele saiu do Brasil, o senhor acompanhou?

AD – Não, não. Por que as coisas aconteciam, tudo era vertiginoso, não dava pra... De repente fulano sumiu. Ou sumiu, tinha sido preso e morto como aconteceu com vários, Jornalistas mesmo foram mais 20 jornalistas mortos ou desaparecidos. Então na verdade essas coisas a gente sabia depois. Cadê fulano? Tá no exílio.

JV – Do ambiente dos festivais o senhor participava?

AD – Ah sim também. Os festivais foram grande momento também. Era curiosamente, ao mesmo tempo em que era uma coisa de... Um negócio né, porque era negócio da televisão etc, mas era uma manifestação de alguma coisa de desabafo os festivais. Ele atraía muito a juventude, principalmente porque aquilo lá era um momento de liberdade, aquela coisa, e também tinha a ver com a musica brasileira que crescia, houve a frustração do golpe mas ela era uma espécie de resistência, era uma resistência. Então ia o Chico, aparece o Caetano brilhando no festival, o Gil, o Vandré, enfim. e grandes talentos que foram revelados ali. Eu participava e havia aquela, evidentemente eu não era daquela torcida frenética, mas eu gostava muito daquilo. Participava, ia assistir, mesmo porque eu tinha muitos amigos que estavam lá no palco, então eu estava lá. Quando surgiu “A Banda”, a banda é de 67 né?

JV – Foi quando venceu “Disparada”. É o Festival de 67.

AD – A Banda e Disparada, exatamente. Eu inclusive fui a Portugal aquele ano e levei um compacto, e eu me lembro que os amigos que eu tinha em Portugal, que também acompanhavam aqui, porque eles estavam em plena Ditadura também e torciam pela nossa libertação, porque logo mais eles conseguiram, em 74. E aí era um sucesso, eu fiz um sucesso enorme com Disparada e A Banda lá em Portugal. Quer dizer, eram momentos muito importantes, e eu participei. Tinha o Walter Silva que participou, organizou o Fino da Bossa, tudo isso tinha a ver com a resistência.