quinta-feira, 5 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Junior - 2ª Parte


Fachada do antigo Teatro Record (atual Teatro Abril), localizado na rua Brigadeiro Luiz Antônio, no centro de São Paulo

Jeane Vidal – Foi quando o Chico Buarque disse que se dessem pra ele o prêmio ele devolveria em público?

Alberto Helena – Exatamente. Pra você vê o alcance dessa música. Aí surgiu o seguinte: a nossa turminha, eu, o Solano e o pessoal todo ali da música, todos nós reuníamos desde os anos 60, porque essa coisa da musica veio pra São Paulo, era no Rio, nos anos 30 era tudo no Rio, nos anos 40, 50. E nos anos 60 veio para São Paulo, aqui é que começou borbulhar o show universitário, circuito universitário, era muito forte, o show da Mackenzie, um show que eu fiz pra Engenharia do Mackenzie em 61, chamado Cancioneiro do Brasil, apresentado por Sérgio Porto.  Eu trouxe Araci de Almeida, Silvio Caldas, Ciro Monteiro, Jacó do Bandolim, foi um espetáculo aquele show. Aquele show foi tão significativo que o Vinícius de Moraes que estava na platéia -  porque no dia seguinte ele ia participar de uma manhã de autógrafos dos livros da Editora Sabiá - ele ficou tão impressionado, porque quando a bossa nova surgiu ela meio que passou a repudiar a chamada velha guarda, essa dos anos 30, a época de ouro, então criou-se um conflito, e o Vinícius que tinha vivido a experiência anterior e era um dos pais da bossa nova resolveu fazer junto com o Baden Powell um samba chamado “Samba da Benção” que ele pedia benção a todos esses velhos compositores, cantores, músicos, como se fosse um abraço a velha guarda e a música brasileira dando essa dimensão maior, histórica. Bom, aí tudo acontecia aqui e, continuou, isso tudo fazia parte de um projeto cultural nosso que implicava em combater o lixo na televisão, o lixo era se comparado a hoje, era ouro em pó,  porque, o que tem de lixo hoje na televisão, não chega... Era o Chacrinha, a Jovem Guarda do Roberto Carlos, isso aí era o lixo cultural e a gente queria sobrepor com um movimento músico cultural, músico literário, que tivesse uma dimensão maior e tivesse um objetivo maior que era o objetivo político de conscientizar as massas, um sonho de uma noite de verão, um fato que na época funcionava. Então tudo isso era feito, isso implicava em muitas discussões, debates, fóruns sobre música popular. Tinha um restaurante, um bar em São Paulo que chamava Ponto de Encontro, que era um misto de livraria e bar, que se fazia muita palestra, fazia muitos debates, discutia-se Música Popular Brasileira, e  cada jornal tinha um crítico de música popular brasileira, coisa que eu fui também, aí era todo o projeto. Como o festival era a grande chave de entrada nesse mercado da Televisão que estava começando a ganhar uma dimensão maior, esperávamos que, a turma do Solano, quer dizer, o Solano, eu, o Renato Correia de Castro, Marilú Martinelli, que eram as pessoas do núcleo que faziam o Festival,  esperávamos que fossemos ganhar na seqüência do Festival, o programa, porque já o Fino da Bossa começava a se esgotar, um programa musical com os caras do Festival: Chico, Vandré, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Toquinho, toda essa tropa... Mas acontece que o Paulinho de Carvalho resolveu entregar para a Equipe A, que era composto pelo Nilton Travesso, o Tuta, que era irmão dele e dono da Jovem Pan hoje, Raul Duarte, e o Manuel Carlos, hoje escritor de novelas. Essa era a Equipe A que era a turma principal; as produções eram dividas em núcleos, e então o que aconteceu: o Paulinho entregou o programa do Chico e da Nara “Pra vê a banda passar” para Equipe A e jogou no nosso colo Ronnie Von que era tudo quanto a gente não queria. O Solano Ribeiro que era contratado da Record, ganhava uma nota violenta, ele falou: eu não faço, isso eu não faço. E eu não era contratado, eu ganhava por produção, e precisava, estava pra casar e tal, eu precisava, tinha parado com jornal, minha profissão mesmo. Falei:  não, eu tenho que encarar essa, fazer o quê né e aí até fui eu que dei o nome dos Mutantes aos Mutantes, eles tinham um nome lá em inglês, complicado. O Ronnie Von falava muito, era da mutação, nós somos todos mutantes...

Jeane Vidal – Mas o Ronnie Von  não fazia parte dos Mutantes...

Alberto Helena – Não, ele era o dono do programa, ele era o apresentador, a figura principal, ele tinha acabado de fazer sucesso e a idéia do Paulinho de Carvalho era pegar um público entre uns 12 a 16 anos, principalmente meninas adolescentes que eram todas apaixonadas pelo Ronnie Von, pelos olhos claros, os cabelos loirinhos, jogava o cabelo pra trás, era um encanto, a meninada ficava doente, pra fazer um programa ao vivo no domingo antes da jovem guarda. A Jovem guarda começava cinco, seis horas da tarde, então esse programa seria das duas as cinco, uma coisa assim, das quatro as cinco, e deu Ronnie Von. Pra mim era uma tortura aquilo, guitarra elétrica, aquela coisa, aquelas músicas, mas enfim, tive que fazer. Mas acontece que nesse processo o Vandré e os baianos ficaram enciumados com o negócio de o Chico comandar um programa, então, entrou a fogueira das vaidades. E surgiu uma possibilidade de fazer um programa na TV Excelsior chamado “Ensaio Geral” e que eles foram fazer, eles não quiseram participar da Banda “Pra vê a banda passar” e foram fazer esse Ensaio Geral na TV Excelsior. E foi também uma confusão porque aí o Vandré queria ele comandar o programa, os baianos queriam eles comandarem, no fim ficou aquela encrenca e eu fui no Paulinho de Carvalho e no Marcos Lázaro e disse: “Pô vocês precisam trazer o Vandré pra cá”.

Jeane Vidal – O Marcos Lázaro era o empresário dele?

Alberto Helena – ele era empresário, o empresário de todos os principais cantores e era associado a Record na venda dos tapes dos programas da Record porque naquele tempo não tinha Embratel, então os programas eram vendidos e enviados os tapes de avião para as outras praças. Aí os dois falavam “Helena você tá louco, esse cara é maluco, ele só vai criar problema...” e eu “não deixa comigo eu seguro as pontas por ele”. Porque a minha intenção era botar o Vandré no ar, segundo era ter um emprego, um contrato com a emissora que eu produziria o programa dele. Na época ele tinha lá o empresário dele, o Marcos Pereira, não o Marcos Lázaro, o Marcos Pereira que era Pernambucano e tinha sido Secretário da Cultura e era muito amigo do Aloísio Falcão. Eles vieram fugidos, lá quando o Arraes foi preso e tal, vieram pra São Paulo e esse Marcos Pereira tinha uma graninha boa e montou uma agência de publicidade dentro da Record e fez uma série de produtos magníficos, discos, todos eram de grandes artistas, produziam grandes discos e acabou se matando, ninguém sabe direito o porquê. Mas, o Marcos Pereira, passou a cuidar dos negócios do Geraldo Vandré, então as reuniões eram lá e tal. Aí o Vandré com a Megalomania dele, queria fazer... Foi o primeiro programa... Já isso quase matou o Paulinho de Carvalho (dono da emissora) do coração. Porque naquele tempo os vídeos-tapes eram aqueles quadriplex enormes, fitas enormes, que pra você editar tinha que editar como filme, tinha que cortar e colar os pedaços. E isso você pegava um rolo de duas horas de duração, você acabava transformando em meia hora, depois se quisesse gravar em cima, só podia gravar meia hora, não podia gravar mais, que eles reutilizavam, porque era caríssimo. Bom, conseguimos convencer o Paulinho fazer o primeiro programa musical editado. Era uma coisa trabalhosa, toda cheia de sofisticação e caro! Deixava o Paulinho doente... No fim o Paulinho aceitou a idéia deles, assinaram o contrato e vamos resolver com é que vamos fazer. Reunião no escritório do Marcos Pereira. Começa assim: Roberto Santos faz a parte do visual do programa; o Fernando Faro vai ser um dos diretores do lado do Vandré. Agora, o Paulinho de Carvalho exige que o Solano Ribeiro seja o Diretor pela Record.. E eu sentado ali ouvindo: terminou, aí eu, o Renato Correia de Castro vai ser o Assistente de Produção... “Escuta, e o boneca aqui? que montou tudo, que fui lá convenci os caras e de todos que estão aqui é o único que não tem contrato, ta todo mundo contratado, pô? Vai todo mundo tomar no...” E fui embora! Tentaram gravar o primeiro programa e foi uma cagada geral. Um dia chegam lá em casa Vandré, Solano, queriam que você participasse. “Tá tendo uns probleminhas aí na gravação, pra você cuidar lá dos velhos, a velha guarda, fazer os textos...”  “Eu vou, como é que é?”  “Tem que ser produção, aquela merda de sempre, ganhar uma graninha...” “Tudo bem, vamos lá, não tenho nada mesmo, tô a zero”, e fui fazer... Começou, era um parto da montanha cada seguimento a ser gravado. Os caras ensaiavam lá na casa da minha mãe. O Vandré, O Quarteto Novo, o Trio Marayá, os cantores convidados e tal. Ensaiava lá e depois gravávamos de madrugadas depois da meia noite, a gente gravava, pra você ter uma idéia...

Jeane Vidal – Nessa época era no Paramont?

Alberto Helena – Não, era no teatro Record da consolação. Aí aquele teatro lotado, você acredita, de madrugada de gente para assistir. Expectador pra assistir a gravação. E a gravação era torturante, não tinha fim, não acabava. O Vandré criava mil e oitocentos problemas por segundo. Era o texto que ele queria reescrever, era a luz que ele não gostava, era a maquiagem, era o enquadramento, tudo que você pudesse imaginar. Bom, nós conseguimos. Gravamos um, gravamos dois, era uma coisa de passar a madrugada inteira gravando. Teve um programa do qual participou o Ataulfo Alves. Ataulfo Alves era já velho na época, morreu pouco tempo depois. O Ataulfo chegou do Rio com a malinha dele, nem foi para o hotel, já foi direto lá pra minha casa, lá pra casa da minha mãe na Avenida Brasil, pra participar do ensaio. Ficou lá a tarde inteira, saiu de lá fomos jantar e fomos direto para o teatro pra gravar. Começamos gravar lá pelas 11 horas, meia-noite. Já era umas 3 horas da manhã e o velho lá de pé, ele já estava a mais de 45 minutos, porque tinha o cenário, tinha a parte de cima, uma tapadeira assim, aí de lá descia um convidado, saia de lá, descia uma rampa até chegar no palco mesmo onde estava o Vandré. Ele estava de pé, não tinha nem lugar para sentar, ele já estava a 45 minutos, sem falar nada, ele era de uma elegância! E como você gravava tapes, não era uma seqüência, você podia gravar um tape antes depois o outro, você ia editar mesmo. Lá para umas três horas da manhã o Solano, eu ficava na platéia, e o Solano lá dirigindo no palco. O Solano desceu, chegou pra mim e  falou “Helena toca pra mim que não agüento mais esse cara, eu vou tomar um melhoral”

Jeane Vidal – Ele estava falando do Vandré?

Alberto Helena - Do Vandré. O Solano era plácido, sabe? Um sereno lago azul, sempre foi. Eu falei tá bom e subi. Ele tinha que gravar um monólogo e ele não acertava. Nada estava bom. E repetia, e não gostava, e repetia de novo e gravava de novo. E tinha platéia, um monte de gente na platéia e mais quatro ou cinco câmeras. Aí eu preocupado com o Ataulfo lá, cheguei no ouvido dele: “Vandré vamos fazer uma coisa, isso aqui tá enrolado, vamos liberar o velho que tá lá 45 minutos de pé, ainda não foi em para o hotel. Gravamos a parte dele e depois nós gravamos”. Aí ele pôs o microfone na boca e disse assim: “Eu quero saber uma coisa, quem é que dirige esse programa é você ou é o Solano Ribeiro?” ahh, eu naquela época era pavil curtíssimo, eu estava com os papéis todos na mão, de roteiros, peguei o microfone e falei: É a puta que pariu seu filho da puta! E joguei os papéis nele, joguei o microfone nele e saí. Falei  “bom, tô despedido”, cheguei lá fui no barzinho, tinha um barzinho do lado, chamei o Solano: “Solano vai lá que já fiz merda”. Aí chegou o Marcos Lázaro que tava lá assistindo “Helena, isso agora vai dá um problema”. “Eu sei amanhã eu venho aí e pego minhas coisas” e fui embora. No dia seguinte cheguei lá, e na nossa salinha, que ficava lá em cima, no lugar do Solano, tava sentado o Vandré, e do lado dele de pé o Fernando Faro. “ô baixinho, tudo bem? Eu vou pegar minhas coisas” e nem olhei na cara do Vandré. Ele: “não vai me cumprimentar não?” -“eu não cumprimento filho da puta”. Começamos a discutir  “vamos brigar, vamos brigar” – Vamos brigar, desce que eu tô louco pra te encher a cara” Aí descemos as escadarias, e era assim: tinha a porta principal na Record, no prédio da Record ficava no lado do teatro, e antes da porta do lado direito tinha uma porta de madeira que dava no vídeo-tape e que tinha uma saída própria. Eu saí pela porta e o Faro do meu lado. Saí, na porta tinha aquele monte de gente pra pedir autógrafo, ficava lá na porta da Record dia e noite, era uma loucura. Atravessei pelo pessoal e fiquei ali no meio fio esperando ele sair pela porta. De repente eu sinto um soco na cabeça por trás, eu olho é ele que tinha saído pela porta do vídeo-tape, me deu um soco na cabeça e entrou correndo pra dentro do vídeo-tape. Puta! Mas eu queria matar o desgraçado! Aí fiquei ali do lado daquele barzinho da Record com o Faro tentando me controlar, porque não dava pra eu entrar e bater nele lá dentro... Aí eu fiquei ali.... De repente vem o Vandré, no que eu vi que ele vinha vindo eu parti pra cima dele e aí comecei a dar uns cascudos, então ele virou de bunda assim pra mim e tentava tirar o cinturão, aí eu parei de bater e disse assim: “eu vou esperar você tirar o cinturão que você vai apanhar com ele e tudo”, aí ele não conseguia abrir o cinturão, eu dei mais uns dois ponta pés na bunda dele, fiquei com medo até de jogar ele dentro do vidro do teatro, e falei: “aonde eu tiver você saia, se eu entrar e você entrar, você sabe que vai apanhar, você é louco pra tuas negas e você também é mau-caráter. O que você fez foi por mau-caráter, tentou me desmoralizar diante de todos os caras aí ”. Falou no microfone, se fala isso pessoalmente, batia boca e ficava por isso mesmo, mas, foi uma coisa pensada, foi pra me sacanear diante de todo mundo. Aí nunca mais tive contato com ele, e o programa também logo depois acabou. Aí houve o negócio dele de “caminhando” a fuga, que segundo me contou a mulher dele naquela época se deu com o auxílio do então governador do estado Abreu Sodré. É eu não se isso tem fundamento ou não, mas segundo ela me contou, ele teria ido com o Sodré pra uma fazendo do Sodré em Araraquara...

Jeane Vidal – Pelo que eu li parece que ele ficou escondido na casa da viúva do Guimarães Rosa em Minas.

Alberto Helena – Essa história eu já não sei. Eu ouvi da mulher dele na época...

Jeane Vidal – Nessa época ele ainda era casado?

Alberto Helena – Ele era casado ainda com a....

Jeane Vidal – A Nilce Tranjan?

Alberto Helena – a Nilce. Ou estava separando dela, ou estava recém-separado, mas, no tempo que nós fazíamos esse programa eles viviam juntos.

Jeane Vidal – Ela está viva ainda?

Alberto Helena – Deve ser, não sei.. Nunca mais soube dela, ela era uma moça muito bonita, inteligente, também não agüentava mais ele! E ela me contou isso, que ele foi com o Abreu Sodré para uma fazenda em Araraquara.  De lá ele pegou um aviãozinho e foi para o Paraguai e do Paraguai ele foi... Enfim. Ele fez durante um tempo antes do festival, a Rhodia fez um show, uma turnê pelo Brasil, um show caríssimo, era ele, acho que o Paulo Autran, eu não me lembro muito bem como é que era, eu sei que era um esquema muito caro, uma produção muito cara... Aí ele fez esse show e o sucesso de “caminhando” extraordinário.

Jeane Vidal – Eu li uma entrevista do Jair Rodrigues, que ele diz que qualquer um podia cantar “caminhando”, menos o Vandré, era ele cantar e os militares iam atrás dele.

Alberto Helena – É verdade. Aquela censura era ridícula. Primeiro era trágica, qualquer censura é trágica, mas era ridícula porque ela não tinha nenhum critério, cometiam cada besteira, faziam cada bobagem, coisa sem sentido, censurava o que não podia...

Um comentário:

  1. Amigo(a)s: essa confusão eu também fazia. O Teatro Record [da época dos festivais] ficava na Rua da Consolação, 2036; ao passo que o Teatro Paramount [atual Teatro Renault] fica [ainda] na Brigadeiro Luis Antonio.

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