terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Junior - 3ª parte (Final)

Jeane Vidal – Essa fuga do Vandré foi mais por paranóia dele, porque ele achava que seria preso ou de fato foi decretada a sua prisão?

Alberto Helena – Não, aconteceu o seguinte: o Chico havia sido chamado para depor, é que é preciso entender muito a época. A época propiciava paranóia mesmo. Eu próprio, até hoje me arrependo, minha ex-mulher só falta me dá croque na cabeça... Quando aconteceu a morte do Vlado (Vladimir Herzog) o Fernando Faro era diretor da Cultura e me ligou naquele sábado de manhã, eu morava no Morumbi, e ele me ligou e  disse “o Vlado e o Marquito foram levados para o Dops e eu queria o telefone do Rui Mesquita pra vê se o Rui Mesquita (que era o dono do Estado, do Jornal da Tarde), pode interceder pra que não aconteça nada com eles”. Eu peguei o telefone do Rui Mesquita, passei pra ele e a noite no dia seguinte, ficamos sabendo que ele tinha sido morto lá. O Rui Mesquita foi lá e teve tempo de tirar o Marquito, mas não conseguiu tirar o Herzog. Porque o Marquito trabalhava com ele, era repórter econômico do Jornal da Tarde. E a tarde eu fui para o jogo de futebol lá no Pacaembu, depois fui para o jornal escrever a coluna e quando eu estava voltando a noite, eu não tinha carta, nunca tinha tirado carta, dirigia sem carta. E cheguei ali na subida da Avenida Morumbi, ali no alto, quando cheguei ali, estava o exército, com metralhadoras, porque é perto do Palácio ali. Mandaram eu encostar o carro, eu encostei, pediram documentos tal, eu fiquei assustado. Eu estava lá negociando com os caras e chegou um Sargento lá e me reconheceu de negócio de futebol, aí quando souberam que eu era jornalista só de esportes me liberaram. E eu cheguei em casa apavorado, com medo que os caras tivessem ouvido qualquer coisa. Aí queimei um monte de livro de marxismo, joguei tudo na lareira de casa... Era um tempo de terror mesmo, sabe? Era muito medo, você ouvia barulho do lado de fora da sua casa, você olhava pela janela você via caminhões do exército parados, você não sabia o que era, era um terror! Espero que ninguém mais tenha que passar por isso! Temo que as gerações que vieram depois não tenha a menor noção do que foi e sejam até capaz de, como na época as paneleiras foram lá bater panela, venham fazer essa mesma besteira no futuro. Bm, mas enfim... Eu lembro que o Chico tinha sido chamado, ele (o Vandré) eu não me lembro se chegou a ser chamado, parece que foi, vários tinham sido presos, muitos desaparecidos, isso desde 64, mais a coisa aumentou a partir do Ai-5 em 68. O Vandré, ele eu acho que foi por medo mesmo que saiu, como o Chico. O Caetano e o Gil foram presos lá no quartel do Rio de Janeiro porque teriam cantado Hino Nacional em ritmo de rock O Randal Juliano andou falando no rádio, e eles foram lá e pegaram os dois. Eles não chegaram a apanhar, mais sofreram humilhações e também foram liberados e também caíram fora. Todo mundo começou a... Começou a revoada, todo mundo foi e o Vandré foi também, porque ele era o mais visado...

Jeane Vidal – Mas, ele foi um dos primeiros a ir embora?

Alberto Helena – Acho que foi mais ou menos todos na mesma época. Eu me lembro, eram jornalistas, quem tinha uma ligação mais íntima com a política da esquerda caiu fora. Ficar aqui era um risco. Outro que desapareceu, teve até uma cena muito engraçada. Quando foi dado o golpe em 64 o Chico de Assis, que era jornalista e teatrólogo,. O Chico de Assis era ligado ao CPC, tinha muita militância política e logo após o golpe ele sumiu. E foi pranteada pela turma durante muito tempo. Um dos mártires, um daqueles que haviam sido mortos. Contavam várias histórias, que ele tinha sido jogado do avião.... e todos nós ficamos lamentando... (risos) e logo depois que eu casei no festival de 67 aquele do violão do Sérgio Ricardo, que ele jogou o violão no pessoal, também começo do tropicalismo “domingo no parque” e tudo mais... Eu tinha comprado uma casinha no Alto da Boa Vista e esse foi o primeiro festival que houve a gravação em vídeo tape, que era reproduzido depois. Então eu combinei com a turma pra ir lá em caso pra gente assistir em casa tomando um wisquezinho e tal. O Gil, Caetano, a Gal, o MPB-4, o Chico, o Toquinho, enfim todo o pessoal que tava ali, pra ir lá. E entre eles o Inácio Loyola e o João (cantor Leão de Chácara), cantor aqui de São Paulo, morreu já. E um deles, um dos caras que eu convidei era o Chico Maranhão que foi classificado com uma música que fez muito sucesso “Gabriela”. E esse desgraçado do Maranhão convidou a Puc inteira pra ir em casa, e era uma casa pequena. O cara chega convidando tudo quanto é... de repente aquele casa virou um inferno, gente pra todo lado, e eu olho lá, chego na cozinha quem é que tava fazendo guerra de melancia e queijo? O Toquinho, o Torquato Neto e o Chico de Assis! vivíssimo!

Jeane Vidal – E aonde ele tinha ido parar esse tempo todo?

Alberto Helena - Diz que tinha ficado escondido anos numa fazenda da mulher dele, do sogro dele, uma coisa assim. Até o Loyola depois no livro dele “Zero” tem um capítulo chamado “A festa” que ele conta esse episódio. O nosso “mártir” tinha sido surpreendido vivíssimo fazendo uma guerra de melancia.

Jeane Vidal – Perdeu a chance de virar mártir (risos)

Alberto Helena – Então tinha essas coisas, então tudo isso fazia, colocava essa paranóia mesmo.  Agora pelo que eu soube a volta dele, ele não foi torturado, ele que se dispôs a fazer aquele depoimento, aquela retratação. Aquilo foi um absurdo, aquilo foi um crime contra todos os companheiros. Por medo, isso aí ninguém me tira da cabeça.

Jeane Vidal – Parece que ele sofreu uma pressão psicológica muito grande, não é?

Alberto Helena – É, mais todos sofremos, todo mundo sofreu e só ele que fez aquilo, mais ninguém.

Jeane Vidal – O que eu li é que todos que voltavam naquela época eram submetidos a essa retratação pública.

Alberto Helena – não, porque o... Bom, os que voltaram naquela época.

Jeane Vidal -  É porque ele voltou antes da anistia. Ele voltou em 73.

Alberto Helena – Mas eu também acho que os baianos voltaram antes da anistia.

Jeane Vidal – A anistia foi em 79...  Embora  ele legalmente nunca tenha sido exilado.

Alberto Helena – Não, ele próprio se exilou, como todos os outros! Aliás nem o próprio João Goulart e o Brizola foram exilados do país, eles que se exilaram.

Jeane Vidal  – Parece que houve uma negociação entre a família dele e um coronel do exército, pra que ele voltasse, porque parece que ele estava passando por dificuldades no Chile.

Alberto Helena – É muito possível que isso tenha acontecido por conta da doideira dele. Porque ele era difícil tratar e de repente ninguém queria. Ele era muito megalomaníaco, muito complicado, muito...

Jeane Vidal - As pessoas acabavam se afastando...

Alberto Helena – Acabavam se afastando, ninguém queria negócio com ele, entende? Ele tinha coisas... Depois da volta,  ele ia no Estadão, por exemplo,  sentava lá na máquina, ficava escrevendo,  ele não era nada, não era funcionário, ninguém sabia o que fazer com ele...

Jeane Vidal – E as pessoas deixavam-no entrar?

Alberto Helena – Ele era o Geraldo Vandré! E ninguém sabia se ia lá... E também não tinha muito portaria, essas coisas de segurança que tem hoje. E ele era o Geraldo Vandré, parece que andou namorando uma Mesquita lá, ou quis namorar, não sei... Eu sei que ele andava por lá, ficava lá, batucando a máquina e ninguém sabia o que ele estava fazendo lá. Ele tinha umas coisas de maluco. Depois que ele voltou ele ficou uns tempos morando na casa do Faro, se você procurar o Faro ele vai te contar essa história. Ele estava na caso do Faro e pediu o carro emprestado e saiu. Daqui a pouco o Faro recebe uma ligação. Ele foi preso passeando na porta do quartel de Quitaúna. Era uma coisa de louco!

Jeane Vidal – As pessoas que conviviam com ele, nessa época, não era tão amigas dele  a ponto de agüentar essas "loucuras"?

Alberto Helena – Eu acho que o único...

Jeane Vidal – Ele não tinha um vínculo forte com ninguém?

Alberto Helena – Ele era muito egocêntrico, e quem não se dá acaba não recebendo né? É difícil uma pessoa que seja só ele, mais ninguém, que crie um vínculo de amizade, porque amizade implica em reciprocidade, ele tem que aceitar o outro, ajudar. Quando você só fala, e é só você, e outro vai falar você percebe que o cara não tá nem prestando atenção, tá pensando nele, então você não cria vínculo. O único que eu sei era o Fernando Faro, cuja casa ele dormiu várias vezes, e eu acho que o Faro é que pode falar muito mais, porque conviveu, o cara vivia lá na casa dele.
Então, aí quando ele voltou teve esse negócio de renegar tudo que tinha feito e dizer que nunca fez música de protesto e começou a fazer umas músicas que eu, confesso a você, que eu não tive mais contato.

Jeane Vidal – E depois que ele voltou vocês não tiveram mais contato?

Alberto Helena – Não, eu tive umas duas vezes. Uma vez eu era comentarista de futebol da Bandeirantes, eu tinha visto ele por lá, mas, não quis conversar.  Certo dia eu estava saindo, ele deve ter me visto passar no corredor, eu estava no carro e no que eu dei partida pra sair ele parou enfrente do carro. Aí parou na frente do carro e veio falar comigo. “você agora é muito importante lá no Estado, você não me arruma um emprego lá, você me arruma um emprego de seu auxiliar, você não precisa de um auxiliar?” Umas conversas malucas.  A outra vez foi nessa noite que eu encontrei que ele estava até com uma moça, que ele cantou umas músicas que tinha feito, nada que me tivesse marcado a ponto de guardar na memória. E depois nunca mais. Enfim, essa é minha história com o Vandré.

Jeane Vidal – Você acha que o fato dele nunca mais ter cantado no Brasil foi opção dele ou foi porque realmente ninguém queria assumir compromisso com ele?

Alberto Helena – Eu acho que é a combinação dos dois. Eu acho que no fundo ele sabe que fez merda em ter feito o que fez. Dizer aquilo tudo, renegar tudo, fazer aquele depoimento em favor da revolução do golpe militar. E outra é essa coisa que também existe esse cooperativismo, mais naquele tempo, naquele período, hoje é a lei de Gerson.

Jeane Vidal  – Existe uma briga com relação aos direitos autorais. Segundo ele algumas pessoas gravaram suas músicas sem autorização.

Alberto Helena - Aí eu não sei essa questão.

Jeane Vidal – Ele disse em uma entrevista que não vai atrás, que não liga pra dinheiro.

Alberto Helena – Ele não é mesmo argentário, vamos dizer assim. Aliás o contrato que ele fez com a Record do “Disparada” foi um contrato mirabolante naquela época. O pai dele também, eu acho que tinha grana, ele era fazendeiro. Ele tinha uma “pinimba” com o pai, os dois viviam brigando e se amando e brigando. Mas, isso também pode ser coisa de pai e filho. Mas eu sei que o pai, eu me lembro, na época, era fazendeiro, tava bem de vida eu não sei em  que deu. Mas o Vandré de qualquer jeito ele foi naquele período, anos 60.... E essa música dele (Disparada) é uma obra prima  da música popular brasileira que ficará eternamente. É um legado dele que não tem paralelo. Disparada, a criação do Quarteto Novo, que foi um show absolutamente novo, brasileiro, mas,  ao mesmo tempo universal. E isso foi da cuca dele, foi invenção dele. E enfim, o fato do programa “Disparada” ter o primeiro musical editado no Brasil, tinha um alto nível cultural. Ele recitava, fazia monólogo de Guimarães Rosa, Drumont, era um outro nível. Era um programa muito importante culturalmente falando, embora tenha sido um desastre pra  fazer e pra se manter no ar. Ficou pouco tempo no ar. Ele era muito esquisito, muito maluco, mesmo quando ainda não era reconhecidamente louco.

Jeane Vidal – A ex-mulher dele, Nilce Tranjan, em uma entrevista diz, quando questionada sobre a suposta loucura do Vandré,  que se ele está louco é porque ele sempre foi assim,  desde quando ela o conheceu ele sempre teve essa postura anti-convencional.

Alberto Helena – Ele é megalomaníaco, tudo dele era melhor, você não podia dizer “ Pó você viu a letra daquele samba do Paulinho?” “a minha é melhor! Você viu a minha?” era assim. Não tinha espaço pra ninguém. Sabe, o Chico, tinha essa grandeza, se fosse ele nunca faria isso, nunca!

Jeane Vidal– O problema era vaidade excessiva então?

Alberto Helena – Eu acho que vai um pouco além disso. Eu acho que o caso dele é meio patológico. Eu não sou médico, nada disso. Mas se você conversar com todo mundo que conheceu o Vandré na intimidade vai dizer isso pra você. Se a própria mulher disse isso é porque é verdade. Ela dormia com ele, conhecia e foi quem mais gostou dele, afinal de contas, casou. Eu sei que no final ela me dizia que não agüentava mais, não suportava mais, era muita loucura, era muito eu, eu, eu.... não sobra nada pra ninguém.

Jeane Vidal – Ele diz que nunca se assistiu cantando "Caminhando", que nunca viu nenhuma cena do Festival.

Alberto Helena – Ele não passava em frente do espelho sem parar e ficar se olhando! O Vandré deve ter visto milhões de vezes! Quando você falou esse negócio que aconteceu com ele. Foi a mesma coisa que aconteceu com Wilson Simonal.

Jeane Vidal – Wilson Simonal foi tido com dedo-duro, delator...

Alberto Helena – A diferença é que o... Olha que tremenda coincidência. Nós estamos falando tudo isso, eu me lembro de uma discussão na revista Cruzeiro, na redação, do Vandré com o Simonal sobre política. O Simonal era um cara de direita, semi-alfabetizado, e o Vandré de esquerda, e os dois brigando lá discutindo,  os dois eram meus amigos e foram me procurar lá, eu trabalhava de repórter especial do Cruzeiro e os dois se pegaram numa grande discussão lá.  E os dois acabaram tendo o mesmo destino, quer dizer, o Vandré porque renegou  e o Simonal porque ficou tachado de direitista e o pessoal tirou ele de cena. Tanto é que ele não teve mais sucesso depois daquele episódio do motorista.

Jeane Vidal – O Sérgio Ricardo também ficou esquecido...

Alberto Helena – Mas o Sérgio Ricardo não tinha o talento do Vandré. Sérgio Ricardo era um caso até mesmo mais versátil, porque o Sergio Ricardo era Radialista, era Jornalista, era Diretor de Cinema, ele fazia programa, fazia música. Ele tinha um preparo musical muito maior do que o Vandré. Ele fazia regência, tocava piano muito bem, era um cara de uma formação, vamos dizer assim, mas enciclopédica. Lia mais que o Vandré. O Vandré era um talento bruto, aquela coisa que nem os baianos também. E o Sérgio Ricardo já era... mas, ele não tinha talento pra criar. Também como o Vandré ele começou fazendo e compondo e interpretando música romântica. O primeiro LP do Sérgio Ricardo chamava Mister Tédio. Depois ele virou, ele passou a fazer essa música de protesto. E também sumiu, nunca mais vi. Ele ficou muito marcado com aquela história do “Beto Bom de Bola”, do violão, ele ficou muito indignado com aquilo. Mas, ao contrário do Vandré que era esfuziante, o Sérgio Ricardo ele tinha uma certa tendência a melancolia, se enraivecer, fazia ele voltar pra dentro de si. Também a música brasileira foi massacrada nas última três décadas.

Jeane Vidal – E o João Gilberto era amigo do Vandré?

Alberto Helena – Não.

Jeane Vidal – Ele foi o primeiro professor de violão do Vandré.

Alberto Helena – Pode ser sim. Mas eu confesso pra você que eu não me lembro deles conviverem. Não sei, teve uma época que o Vandré morou no Rio, pode ter sido antes desse período.

Jeane Vidal  – E com o Chico(Buarque) ele tinha um bom relacionamento?

Alberto Helena – O Chico também é outro Padre. Sempre com aquele sorriso. Tá tudo bem pra ele... Mas, não era da turma. A turma do Chico era eu, que saía sempre junto, eram poucos, eu, o Paulinho da Viola, e a turma dele da faculdade de arquitetura. Conhecia o Vandré, se davam bem, mas não era... O Vandré gravou, apresentou uma música do Chico, mas não era assim... íntimo. Quem era mais íntimo do Vandré... Eu fui durante um período amigo do Vandré, o Fernando Faro foi o tempo inteiro, o Franco Paulino foi também durante um período, o Trio marayá, principalmente o Hilton Accioly, o pessoal do Quarteto Novo... Músico, músico instrumentista é tudo muito desligadão... Quem pode também falar dele é o Théo de Barros, foi parceiro dele em Disparada e outras músicas, é um cara muito lúcido, muito boa gente e tal. O Goulart de Andrade... O Juca de Oliveira não foi amigo dele, mas, conhecia muito ele da casa do Faro, porque o Juca é genro do Faro. E era amigo do Faro desde quando a atual mulher dele era menininha ainda. Então ele deve ter convivido muito com o Vandré e pode contar algumas histórias. Ah! A mulher dele (do Juca)  também pode contar muitas histórias. 

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