terça-feira, 3 de maio de 2011

Entrevista com Alberto Helena Júnior (Jornalista e Comentarista Esportivo) - 1ª Parte




Alberto Helena - O Vandré é o seguinte: O Vandré ele começou fazendo música romântica, e na verdade ele se orgulhava muito de ser bom cantor...

Jeane Vidal – A princípio ele só compunha?

Alberto Helena - Não, ele começou cantando, depois começou compor.

Jeane – Ele gravou um disco com imitações do Francisco Alves e  Orlando Silva, inclusive foi financiado pela mãe dele.

Alberto Helena – Eu não sei... Então ele começou assim, começou a compor música romântica, isso antes do grande movimento da MPB. Aí ele... Primeiro, a grande participação dele foi no l° festival da Música Popular Brasileira em 65, que foi na Excelsior, não na Record. Ele defendeu uma música do Chico Buarque, uma marcha rancho, se não me engano, ele com a Tuca, que era uma cantora que cantava com ele, o que a gente chamava de marcha do João XXIII, que era nova mão, pé no chão e tal né... Naquela época fervilhava a questão política, o público jovem, o pessoal era muito de esquerda e achava que aquela música era um pouco “cristiana” demais (risos). E o Vandré de repente saiu dessa linha e entrou na linha da música de protesto. Porque isso aconteceu assim: é preciso que você tenha, pelo menos se não tiver, uma visão do contexto da época, eu estou falando do começo dos anos 60.  A música brasileira ela se definiu como tal quando ela ganhou característica como música brasileira nos anos 30, final dos anos 20, dos anos 30 até mais ou menos, metade dos anos 40, fim da guerra. Nesse período, que havia uma noção de nacionalidade muito grande, forte, no Brasil, com a ditadura Vargas e tudo mais, a música brasileira ganhou um perfil, ganhou uma cara, uma característica e tal, com o choro, samba, as marchinhas de carnaval, as serestas, várias modalidades, mais a música folclórica do nordeste, do Rio Grande do Sul, enfim, ali ela ganhou uma característica, e o samba era o gênero principal, era o mais característico, principalmente o samba carioca. Então, a partir de 45, depois da guerra, começa  a grande influência americana, a influência através dos Estados Unidos. Então o que fazia sucesso nos Estados Unidos rebatia aqui, então podia ir desde o Jazz, até o mambo, o bolero, as músicas caribenhas e tal que faziam sucesso lá, através da política da boa vizinhança lá de Hollywood, dos filmes, musicais, etc e tal, e das gravações, rebatia no Brasil, e porque houve uma grande imigração do europeu para o Brasil durante a guerra, também as músicas de outros, música italiana, música espanhola, música francesa, os hábitos mudaram. O que antigamente era um cabaré virou uma boate no estilo bem francês. Então foi mudando essa característica da música e ficou uma coisa muito difusa. O samba virou sambalado ou sambolero, como dizia Ari Barroso. Ele reduziu o andamento pra ser ouvido e dançado em boate e tal, os cantores foram perdendo o potencial da voz, passou a ser uma coisa mais sussurrada, então, aí era o império da breguice. Quando surge a bossa nova no final dos anos 50, começo dos anos 60 e que vem com essa idéia de fazer uma música mais refinada, baseada no Jazz, o jazz americano, principalmente o cool jazz, o jazz mais de gabinete, mais de trio,  quartetos e tal, e isso criou a bossa nova. O João Gilberto fez uma releitura daquela música brasileira dos anos 40, e isso prevaleceu. Mas aí surgiu com um grande movimento, movimento dos jovens, mas não tinha muita penetração popular. Aí quando no começo dos anos 60 cresce a questão política no Brasil, a luta entre esquerda e direita e os jovens muito participantes, muito militantes, universitários e tal, a bossa nova começa ser questionada como sendo uma  música de  classe média alta, distante do povo, música de apartamento com o se dizia, um banquinho, um violão, a coisa muito intimista que não tinha o poder de... E agia na época a idéia de que tudo, todas as artes, teatro, cinema, música, enfim, deveria fazer parte desse movimento político pra ajudar no caminho da evolução, da conscientização do povo, porque se dizia o seguinte: o povo é alienado, precisa desalienar, é preciso dar consciência política a esse povo, mostrar o que é o lado bom e o lado ruim. Então nesse processo a música popular entrou pra valer muito mais, porque ela era mais poderosa que o cinema, por exemplo, nacional que os recursos eram pobres em relação ao cinema americano, e mais do que o teatro que o povo brasileiro  não tem o hábito de ir ao teatro e a música, no entanto, ela tinha esse poder, esse canhão, ela se espalhava e atingia as grandes massas. E começou então...  Houve um racha dentro da bossa nova, Carlinhos Lyra, a Nara, eles se aproximaram dos compositores do morro, os compositores populares eram o  Zé Keti, Luis Carlos Salgueiro, toda aquela turma do Rio de Janeiro e começaram a criar aquilo que depois começou a se chamar de MPB e que foi desencadear nos festivais e tal e que eram uma coisa mais flamante que a  bossa nova, mais comunicativa, com grande público e que usou a televisão que era o grande instrumento de divulgação para mandar essa mensagem. E o Vandré reinou nesse período como um dos autores... Porque aí, isso tudo faz parte do movimento criado pelo Centro Popular de Cultura, que era no Rio de Janeiro, o CPC, lá no Rio e aqui em São Paulo. Aqui era o Chico de Assis que era o teatrólogo, passou também a fazer música, e música nessa linha. Eu mesmo fui um dos primeiros a fazer música de protesto, o Geraldo Vandré com o Geraldo Cunha. Em 61 fiz um samba, fizemos alguns, mas um deles acabou tendo relativo sucesso, principalmente lá no Rio de Janeiro, era “eu não sou do morro” (eu não sou do morro não, mas é que o morro é de corpo, alma e coração....)

Jeane – Você chegou a gravar?

Alberto Helena - Foi gravado pelo Taiguara, pelo Geraldo Cunha e por um outro cantor que tinha aqui em São Paulo, Hugo não sei o que lá, eu não me lembro o nome... No Rio ela tocou bastante com a gravação do Taiguara. Bom, mas aí, então foi essa febre, da música de protesto, todo mundo entrando, todo mundo não, mas o grupo, principalmente o Vandré, ele era a grande marca...

Jeane – O Chico Buarque também?

Alberto Helena – O Chico, ele na verdade ele fazia mais crônica social do que música de protesto. Ele foi fazer mais música de protesto depois do golpe militar, depois do AI-5, foi em 68, o golpe foi em 64, a partir de 68 foi quando ele começou a fazer, inclusive com aquele pseudônimo Julinho de Athaíde, e o Chico partiu pra essa... Inclusive em 67, 68 a discussão que havia entre o grupo do Gilberto Gil, o grupo dos baianos, Gil, Caetano, e o a turma do Chico é que o grupo dos baianos acusava o Chico de não ser crítico suficiente nas músicas, que ele era muito romântico, era muito lírico, vamos dizer, pra época, mas depois o Chico foi muito mais incisivo e tudo mais. Mesmo porque o Chico, de todos eles, era o que tinha melhor preparo cultural, intelectual, acadêmico, por conta até do pai dele que era um grande pensador... Mas enfim, então nessa virada o Vandré que era um cantor de música romântica passa a ser um militante da música.

Jeane-  O que hoje ele nega não é? Ele diz que a intenção dele nunca foi política.

Alberto Helena – É... Bom... A gente não pode entrar na cabeça dos outros... Mas, não era o discurso dele na época, porque foi esse o período que a gente conviveu muito. Mas ele tinha bom... Ele tinha pretensões que, vamos dizer assim, ultrapassavam a simples mensagem política revolucionária. Ele tinha uma preocupação de ordem estética cultural que a maioria dos que faziam este tipo de música não tinha, Carlinhos Lyra, o Sérgio Ricardo que era outro desse movimento. Ele queira algo mais, isso era patente. E quando ele fez “Disparada” foi realmente uma coisa... Eu acho que foi a música que o cara atingiu a perfeição, de acordo com os objetivos dele. Eu nunca me esqueço da noite que ele cantou pela primeira vez pra nós. Porque era assim: isso foi em 66, o Festival da Record, que foi o festival da Banda, Disparada, o festival que lançou o Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Caetano... Então ali, por exemplo, ele não era compositor no sentido comum, porque ele não era... Tocava violão mal e tal, mas não o cara de pegar e... Tanto é que quem fazia todos os arranjos era o Hilton Acioli que era o parceiro dele, que na verdade traduzia em música o que ele estava querendo fazer. Mas ele tinha a genialidade, ele era um gênio nesse negócio. A música é dele, não era do Hilton Acioli, você entende? O Hilton Acioli deu o formato, você entende? A música nasceu dele, assim como a letra era só dele. E nessa época, o festival era o seguinte: tinha que ser música inédita pra ser aceita. E tanto é, que todos eles, cada um estava fazendo a sua música e era segredo, cada um mantinha segredo...

Jeane – Só se sabia quem era o compositor quando saía o vencedor?

Alberto Helena – Não, o que não se sabia... Era assim: não se divulgava a música antes dela ser apresentada pela primeira vez no festival. Então não podia ser gravada, não podia ser cantada em lugar nenhum e tal. Mas na verdade se conhecia os compositores porque eles eram apresentados quando a música era apresentada.

Jeane – Os compositores só eram revelados quando era escolhida a música vencedora?

Alberto Helena – Não.  Esse, de 66, como foi o de 65, como foi o de 67 e 68 era assim. Inclusive o de 66 eu fiz parte da produção do festival. A direção era do Solano Ribeiro e eu era o produtor. Fazia os textos, e toda a fase de escolha das músicas foi feita na casa da minha mãe. Meus pais tinham uma escola ali na Avenida Brasil, onde tem hoje o laboratório Fleury, é um casarão grande que tinha lá, e na parte debaixo era a escola, escolinha maternal e pré-maternal e tinha um barracão lá no fundo, onde as crianças faziam judô, tocavam música e tal. Tinha piano, instrumentos musicais e a gente... Toda fase de escolha... Qualquer um podia se inscrever... Qualquer pessoa ... Então a escolha, tudo foi feito lá. Eu tenho até a foto... O Cesinha (César Camargo Mariano) no piano e as partituras que os caras mandavam, começava e tal.. O júri ali presente... Essa pode jogar fora, não, essa não... E assim foi feita a escolha. Mas a gente não conhecia quais as músicas que os caras iriam apresentar.

Jeane – Sabia quem era o compositor, mas não sabia qual era a música, é isso?

Alberto Helena – Exatamente! Porque esses caras já tinham sido escolhidos de antemão né, eram profissionais e tal, que iriam apresentar as músicas para serem aprovadas. Aí, uma noite... e a gente queria saber...  O Chico até a gente conhecia “A Banda”. O Vandré fazia mistério com a música dele... No fim ele sentou num carrinho dele, um fusquinha que ele tinha, na frente do Juão Sebastião Bar, ele parou o carro... Estava eu, Solano e acho que o Luiz Vergueiro,  e ele cantou no carro a música “Disparada”. Aquilo foi...

Jeane – Se não me engano o Zuza no livro A Era dos Festivais, relata esse episódio.

Alberto Helena – É eu contei isso pra ele.

Jeane – Ele chama todos vocês para ouvirem a música, não é isso?

Alberto Helena – Não, não chama... A gente saia toda noite juntos tal, nós vivíamos na noite, boemia direta. E estava sempre juntos, e aquela noite nós estávamos todos juntos e não sei pra onde que a gente ia... E ele cantou, e foi um arrepio geral! Foi uma coisa! Não dá, quando uma coisa é nova, ela é nova quando é nova, depois que todos os elementos que ela apresentou de novidade já foram reincorporada no tempo e várias outras, por exemplo, a sua geração não vai ter o mesmo impacto, aquilo já tá diluído em outras, então você já não tem a mesma noção, mas aquilo foi porque ele conseguiu fazer o seguinte: o que é a música mais popular, mais até do que o samba? É a música sertaneja, porque ela está presente no nordeste, no centro-oeste, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, Minas, no Rio, interior do Rio... Essa é a mais abrangente. Das músicas nacionais a mais abrangente é a sertaneja, é a do sertão, que tem lá cada uma sua característica. Ele conseguiu pegar isso, e que era a música que menos tinha sido trabalhada urbanamente, quer dizer, ela permaneceu até aquela época, depois é que veio essa coisa do sertanejo, eles falavam que era música sertaneja naquele tempo, agora é música caipira. E que deram esse tom mais urbano, porém brega. Ele não, o que ele queria... Porque a música caipira naquela época era encarada como brega, porque ela era muito primária, tirando João Pacífico, Menino da Porteira, essas coisas todas, a grande maioria era coisa pobre. Ele pegou o espírito de Guimarães Rosa e trabalhou essa linguagem, pegou Guimarães Rosa e com a música sertaneja, o ritmo e a melodia típica, ele juntou os dois e conseguiu um efeito extraordinário. Lembra aquela seleção holandesa de 74 que o carrossel holandês foi um fenômeno tático no futebol que nunca mais se reproduziu, só aconteceu naquele período. O “Disparada” nunca mais se reproduziu, ele não fez uma escola, ele ficou suspenso no ar como uma obra única. Poderia ser um caminho, mas que ninguém alcançou. Depois tentaram, Almir Sater chega um pouco perto, tem uns caras que...  Mas o “Disparada” ficou sozinho. E mais, por que aí ele junta o Trio Marayá pra fazer o vocal de apoio e mais o Quarteto Novo que era outra coisa que foi ele quem criou, com músicos extraordinários, talvez os melhores que o Brasil já tenha produzido, cada um com seu instrumento. Com um som inteiramente novo, inclusive com uma queixada de burro que o Airto Moreira, isso foi idéia do Airto Moreira mesmo, que usou, e que tinha um efeito não só musical importante como visual, uma coisa absolutamente nova. E o Quarteto Novo era um time de craques, tinha o Hermeto Paschoal que era um gênio, o Heraldo Monte, o Théo de Barros, que era um excelente violinista, enfim, um som inteiramente diferente, uma coisa nova, sensacional, tão sensacional que pela primeira vez e única na história do Brasil, neste país, o cidadão comum discutia estética cultural, discutia cultura nos botequins, nas padarias, na porta de jornal, porque, o Brasil se dividiu entre Banda e Disparada. E os argumentos que você ouvia, eram argumentos de especialistas do povo: “mas, a Banda é mais brasileira, é mais romântica, é mais o nosso povo, é uma volta às marchinhas de antigamente...”  O outro dizia: “mas, Disparada é uma criação nova, é um avanço...” quer dizer, o povo discutindo cultura... Nunca houve isso antes, nunca houve depois. Pra ver a força desse negócio! Criou-se a turma dos Bandistas e a turma dos Disparadas, era torcida como Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Vasco, essas coisas... E quando terminou a votação deu Banda. Banda em primeiro e Disparada em segundo. O Paulinho de Carvalho que era o dono da emissora, ele ficou “pô, os caras vão quebrar o teatro, não é justo pô” Porque ele também estava envolvido naquilo, torcendo, e olha, ele não gostava do Vandré como pessoa, ninguém gostava do Vandré como pessoa, só o Faro (Fernando Faro). Aí o Paulinho: “eu acho que tem que dividir esse prêmio”. Chamou o Júri, o júri foi reunido e o Chico Buarque foi o primeiro a dizer “não, eu não acho justo, Disparada não pode ficar em segundo lugar”, e aí foi resolvido dividir o prêmio, primeiro lugar para os dois.

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